Estive assistindo a dois DVDs interessantes que abordam a Psiquiatria. Um deles é o " Marketing da Loucura" e o outro é "Psiquiatria- A Indústria da Morte", promovida por uma Associação dos Direitos Humanos. Recomendo que todas assistam e tirem as próprias conclusões.
A tônica é o ataque à Psiquiatria. Além de muito bem produzidos, suscitam um debate amplo sobre a evolução histórica da psiquiatria. A Psiquiatria seguiu um caminho diferente da medicina convencional. Já abordei isso em outros tópicos. Cometeu muitos erros, como associar-se com interesses políticos na história mundial, pregar a eugenia, apoiar o regime nazista , utilizar métodos cruéis de tratamento. Isso tudo está registrado nos DVDs. O outro DVD acusa a medicalização psicotrópica das pessoas, criando um mercado de venda de medicamentos para o enriquecimento de laboratórios e psiquiatras.
Com muita tranquilidade acredito que cada pessoa terá discernimento para aproveitar os conhecimentos ali contidos, sem se deixar contagiar pela hostilidade contra a Psiquiatria que permeia a condução das filmagens. A psiquiatria moderna não é a psiquiatria retrógrada do passado. Não negamos as atrocidades do passado, mas não aceitamos continuar pagando essa conta no presente e no futuro. O fato de psiquiatras terem se associado a governos como a Alemanha e Rússia para promover interesses políticos , dizimando pessoas inocentes e com deficiências mentais, não transforma os psiquiatras da atualidade em criminosos! Imaginem se começássemos a discriminar o povo alemão porque existiu o Hitler ou os italianos por causa do Mussolini. É assim que eles pensam da Psiquiatria.
Quanto à medicalização excessiva, concordo! Existem pessoas que não precisam tomar medicamentos psicotrópicos e estão tomando. Muitas pessoas buscam esses medicamentos, sem acompanhamento médico. E existem médicos que repetem "a receitinha azul", prescrevem o antidepressivo , sem critério nenhum, simplesmente porque o paciente pede ou querem agradar o cliente. Isso é absurdo. Dias atrás neguei-me a "dar uma receita" para uma paciente que não estava em tratamento. Ela saiu enfurecida comigo. Foi ao posto de saúde e "o médico bonzinho" prescreveu o medicamento. Dessa maneira as pessoas vão se viciando em psicotrópicos. Também sou contra essa onda propagandista dos laboratórios( concordo com o DVD, tenho senso crítico apurado), que tentam inventar indicações para medicamentos. A última moda é o stavigille( modafinila), que o laboratório tenta vender como pílula da inteligência. Faça-me o favor! Mas esse fenômeno da medicalização excessiva se estende para outras áreas da Medicina, incluindo a cardiologia e traumatologia. Ano passado, muitos antiinflamatórios foram retirados de mercado por causa do risco cardíaco. A reposição hormonal, na ginecologia, também demonstrou riscos cardíacos. Então, não é somente a Psiquiatria a vilã. Os vilões são os médicos gananciosos e os laboratórios gananciosos. Eu não me deixo iludir! Já mandei embora muitos pacientes que foram ao meu consultório atrás de medicamento psicotrópico.
A outra crítica é que a Psiquiatria não cura nada! Que os diagnósticos são inventados! Que milhares de pacientes morrem tomando medicamentos psicotrópicos. Nesse aspecto, discordo. Sim, não curamos nada, da mesma maneira que nenhuma especialidade médica( cardiologia, endocrinologia, reumatologia, nefrologia e outras) cura as doenças crônicas. As curas agudas são em casos específicos, através de cirurgias e tratamentos antimicrobianos. O restante das doenças são crônicas. Na verdade, a Medicina é ainda muito limitada em tratamentos. Quanto à crítica de que a Psiquiatria inventa diagnósticos, não temos o melhor sistema diagnóstico classificatório, pois conhecemos pouco sobre a mente. Mas posso afirmar, com convicção, que doenças como esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, transtornos de personalidade existem! Eu trato pacientes há 11 anos e esses casos são reais! Perguntem a um familiar que convive com esses pacientes 24 horas por dia. Se as nossas explicações neuroquímicas estão erradas( e elas podem estar, isso é ciência), ainda não se descobriu um modelo explicativo melhor e mais funcional. Quanto às mortes e riscos, quero dizer que já atendi mais de 20 000 pacientes , que tomaram múltiplas drogas psicotrópicas e nunca tive uma morte sequer. 95 % desses pacientes referem que suas vidas estão melhores com o tratamento do que sem ele! O lítio é uma droga psicotrópica e está comprovado que diminui o suicído! A proibição de antidepressivos em adolescentes aumentou o índice de suicídio desde 2003. São dados robustos! Sim, os psicotrópicos não são inócuos( nenhum medicamento o é, nem aspirina), causam complicações, apresentam riscos, mas algumas doenças mentais necessitam de tratamento medicamentoso, pois as consequências de não tratar são desastrosas para as famílias e a sociedade.
No DVD os psiquiatras são chamados de " cuidadores de doentes em manicômios". E que o uso de medicamentos foi uma tentativa de resgatar " a aura científica" da psiquiatria frente à medicina. Concordo. Durante 40 anos a psiquiatria foi escrava da psicanálise. Para poder voltar à medicina, precisou investir no cérebro para conseguir esse espaço. Mas a pesquisa dos medicamentos tornou-se imperativa, pelo aumento de doenças mentais graves, pressionando a sociedade por soluções que esvaziassem os manicômios. Já vi pessoas tomando antipsicóticos voltarem para a faculdade. Melhor do que acorrentar doentes como na idade média, é tratar os sintomas na atualidade, mesmo que os tratamentos não sejam ideais , nem perfeitos. Qual o tratamento que se enquadra em perfeição? A acusação do conluio entre psiquiatras e indústrias farmacêuticas, concordo. E devemos desmascarar essas associações espúrias em nome de uma psiquiatria verdadeiramente científica e em benefício da humanidade. Apreciei muito os DVDs, eles ampliam a nossa percepção acurada(P) dos interesses econômicos no mercado mundial de medicamentos. Mas não vamos generalizar. A psiquiatria cometeu erros no passado, comete erros no presente, mas também acerta. Pergunte aos pacientes verdadeiramente doentes se eles tiveram benefícios com os tratamentos disponíveis.
Por fim quero deixá-los com uma frase para reflexão: " Todo o tipo de absoluto indica patologia"( Friedrich Nietzsche). Portanto, da mesma maneira que, como psiquiatra, relativizei o que aprendi nos DVDs, pergunto aos organizadores dessas duas obras recomendáveis, e vocês relativizaram o quê em relação à Psiquiatria?
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