quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Pacientes Intratáveis



A Psiquiatria precisa acostumar-se com a necessidade de pacientes e familiares terem "respostas." Quando eu era adolescente, costumava assistir ao programa da Sílvia Popovic, um programa de entrevistas, que abordava assuntos relevantes envolvendo psiquismo, relações humanas, natureza humana e outros. Sempre havia um psiquiatra entre os convidados, para "explicar coisas". Acho que aquele programa influenciou( pensando bem) a minha escolha profissional. Obrigado ,Silvia Popovic. No início da minha carreira, ainda inexperiente, ficava muito desconfortável diante de perguntas dos pacientes. Hoje transito melhor, pela experiência e também porque existem perguntas sem resposta, algo que eu desconhecia no início da profissão. Tínhamos a vitalidade do jovem e nos faltava a experiência dos anos. Hoje tenho mais experiência e respondo: __ " Não sei". Simples assim. Primeiro, não sei mesmo. Segundo, a Psiquiatria não tem todas as respostas. Terceiro, as perguntas das pessoas são absurdas( risos). O meu desgaste no início da carreira era me cobrar por não saber responder perguntas absurdas. O que era plausível responder, bastava recorrer aos livros e à experiência incipiente.


Apesar de todos os avanços científicos do último século, ainda estamos engatinhando na psiquiatria. Não temos muito mais respostas do que onze anos atrás, quando iniciei meu trabalho. Milhões de dólares e reais estão sendo investidos em pesquisa, mas as dúvidas continuam! A experiência de tratamento mostra que existem casos que são tratados com êxito pela psiquiatria, mas existem casos intratáveis, motivo do post de hoje.


"Casos intratáveis" são aqueles que não melhoram com os recursos da psiquiatria atual. Isso não significa que não oferecemos o tratamento, simplesmente o tratamento é ineficaz ou pouco eficaz. Questiono se devemos oferecer um tratamento só porque existem dúvidas( ou um problema). Então me lembro que todas as áreas profissionais oferecem respostas mesmo que não sejam a solução para os problemas. Se eu receber um paciente com transtorno mental grave e não oferecer o tratamento( mesmo ineficaz), o psicólogo vai tratar, o vizinho vai tratar, o centro espírita vai tratar, o cardiologista vai dar um "remedinho". E eu acho que a psiquiatria , apesar das limitações, ainda oferece as melhores condições de acertar no tratamento, nem que seja no futuro. Mas o primeiro passo para tratar adequadamente é fazer o melhor diagnóstico e saber que se trata de alguém" intratável "no momento.


Na minha concepção profissional, os casos intratáveis são aqueles em que o paciente continua funcionando de maneira prejudicial para si , familiares e sociedade, sem ganhos significativos e mudanças positivas. Entre as doenças incluídas nesse grupo temos os transtornos graves de personalidade, principalmente borderline, narcisista e psicopática, os transtornos alimentares, as demências, o autismo, os transtornos de somatização, as dependências químicas e os transtornos de humor e psicóticos, com deterioração psicótica e cognitiva. Nessas doenças a psiquiatria fica devendo respostas verdadeiras. Em relação aos outros transtornos mentais, a psiquiatria está indo muito bem, melhorando a qualidade de vida das pessoas, apesar de todas as críticas e preconceitos sociais.


O que fazer quando familiares desses "pacientes intratáveis" nos cobram resultados? Precisamos ser sinceros e dizer que nossas respostas não são satisfatórias, que nossos tratamentos são ineficazes, que nosso conhecimento ainda é insuficiente. Não temos previsões acuradas de quanto tempo vamos precisar( e se vamos conseguir) para tratar essas doenças ou transtornos com sucesso. Ao lidarmos com doenças crônicas, graves, o conceito de cura é muito mais relativo do que absoluto( como extirpar o apêndice inflamado, na apendicite, pelo cirurgião, obtendo a cura). Tratamos muitos casos com sucesso relativo( suprimimos sintomas, mas não curamos definitivamente). Isso não é o ideal, mas é o possível nesse momento do conhecimento científico. Não devemos nos envergonhar, pois outros conhecimentos não-científicos também não têm resolvido as doenças mentais, apesar de prometerem!


Se conhecermos nossos limites, faremos um bom trabalho no que é possível tratar. Vamos continuar pesquisando, na expectativa de que anos vindouros tragam respostas mais satisfatórias e verdadeiras para a cura da doenças mentais. Até lá, devemos usar o nosso arsenal terapêutico de maneira criteriosa, sempre direcionados por um diagnóstico acurado. Saber tratar o que é tratável já um passo seguro no meio de tantos tratamentos da medicina alternativa, psicologia, filosofia e ciência.

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