Os temas psiquiátricos transcendem os manuais diagnósticos e englobam as relações sociais e profissionais. Por lidarmos com o sofrimento humano, materializado na disfunção mental, precisamos investigar os desencadeantes sociais e profissionais dos transtornos mentais. Uma Psiquiatria somente encastelada no consultório não faz sentido, pois nos tornamos escravos do pequeno mundo terapêutico e perdemos a visão social. Muitas doenças psiquiátricas são patologias sociais, de manifestação sistêmica, causadas e mantidas por relações profissionais doentias e relações sociais opressivas.
Hoje abordo três temas interligados: Assédio Moral, Assédio Sexual e Machismo .
Assédio Sexual é forçar situações eróticas e sexuais em ambiente de trabalho, utilizando-se do "poder decisório" nas relações profissionais. Caracteriza-se pela impertinência , importunação, insistência direta ou indireta junto a alguém para conseguir relação extra-profissional, sem a anuência de uma das partes. Por seu caráter constrangedor e insistente, desencadeia muitos quadros psiquiátricos em pessoas vulneráveis.
Assédio Moral é a utilização do poder hierárquico para prejudicar, direta ou indiretamente, funcionários ou colaboradores no ambiente de trabalho, por motivos pessoais ou diferenças profissionais. Caracteriza-se pela impertinência, obstrução do progresso profissional da pessoa perseguida, humilhações, avaliações de desempenho aquém do merecimento, ataques diretos à honra e outras variantes.
Machismo é a atitude ou comportamento que não admite igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Esses três temas andam juntos, quando investigamos com profundidade. Geralmente as vítimas de assédio sexual são as mulheres. Quando elas "não cedem" às investidas sexuais no ambiente de trabalho, são discriminadas, mal-tratadas, demitidas, forçadas a se demitir, rebaixadas profissionalmente. Mesmo que vivamos numa sociedade que defende a igualdade, na prática, o mundo continua funcionando de uma maneira machista. O Assédio sexual é a atitude dominadora dos homens para tentar conseguir "favores sexuais" de subalternas( os). Quando esses favores são negados, a perseguição começa, intensifica-se e resulta em prejuízos para as vítimas, que podem desenvolver doenças mentais reativas ao estresse e humilhações sofridas.
O Assédio Moral envolve ambos os sexos, mas a linha condutora do comportamento do assediador continua o machismo, seja imposto ao colaborador do mesmo sexo ou do sexo oposto. Na disputa machista( não civilizada, de civilis, que significa gentil), o poder, a força física, a força financeira, as ameaças diretas e indiretas substituem a resolução civilizada das diferenças e das recusas. Cada pessoa é multidimensional, não podendo ser enquadrada como um objeto de desejo de chefes ou superiores hierárquicos. Os chefes precisam ser líderes e toda liderança precisa da ética.
Todas as questões envolvendo a violência e manipulação em ambiente de trabalho, por passarem por cima dos direitos dos colaboradores( de recusar-se), referem-se às variantes do assédio. O assédio é a imposição violenta da vontade, por fraqueza de aceitar a recusa. O assediador está castrado no seu desejo e por isso castra a vítima nos seus direitos profissionais.
No consultório presenciamos as feridas que corróem as pessoas assediadas. São enganadas pelo discurso politicamente correto da igualdade social, mas que, na verdade, significa um machismo encoberto. O discurso é bonito, os bastidores são crus e feios. As mulheres não são tratadas com igualdade, são desrespeitadas tanto nos seus direitos de trabalho, quanto na sua remuneração. Depois de conquistarem o direito ao voto, não conseguiram conquistar a igualdade de oportunidades num mundo machista travestido de moderno.
Se a mulher conquista o seu espaço com muito trabalho e competência, na primeira oportunidade isso cai por terra, se foi semeado em campo machista. Mesmo provando competência, a mulher receberá a oferta de ser "apenas a mulher de alguém", destituída de sua identidade profissional. Nenhuma competência profissional é mais forte que o corporativismo machista que permeia as relações humanas e os moldes sociais. Vivemos em plena era do machismo oculto.
Muitas mulheres revoltam-se com o "sistema", mas sucumbem diante da ferocidade da competição entre os sexos. E as mulheres que vencem a guerra, ficam "poderosas", são recusadas pelos homens machistas, que preferem as "amélias" em pleno século 21. A psicologia evolucionista pode alegar motivos biológicos para tal constelação, mas então a cultura precisa reavaliar a sua força de influência. O resultado são mulheres poderosas, sozinhas no topo, ou homens machistas suprimindo mulheres que acreditam na igualdade de direitos e oportunidades.
Vivemos num mundo aparente e num mundo real. As aparências enganam. A realidade é a única verdade que comanda os jogos profissionais. E nesse jogo, apesar dos movimentos sociais , das minorias, do feminismo, dos avanços constitucionais, entre quatro paredes, o machismo ainda impera como lei da selva. Mesmo os engravatados, os "bonzinhos", são feras em busca da próxima presa.
As doenças mentais aparecem nesse contexto como resultado direto ou indireto desse sistema desigual. Muitos afastamentos de trabalho decorrem disso, muitos fracassos profissionais decorrem disso, muitas carreiras ficam bloqueados por causa disso. Em todos os jogos, onde as regras não oferecem um equilíbrio, o resultado é alguma patologia(doença), seja individual ou coletiva. No mundo do trabalho( o principal jogo da vida), a regra não é diferente.