sábado, 10 de abril de 2010

Escolhas ,Consequências e Saúde Mental

Da mesma maneira que uma pessoa é responsável pela sua higiene física para manter o corpo saudável e atraente, ela é responsável pela sua higiene mental para manter-se sana e atraente para o mundo.
"Estamos condenados à Liberdade", asseverou o filósofo Jean Paul Sartre. Sim, em resposta à liberdade de escolha de como se comportar, quais  crenças cultivar, quais  valores existenciais nos quais se basear em diferentes circunstâncias, respondemos aos desafios do mundo.
Em nessa diversidade de histórias de vida, personalidades vão sendo construídas e reforçadas no decorrer dos anos. Nenhuma personalidade é melhor ou pior que outra, apesar de que algumas personalidades manifestam distúrbios( transtornos) que as tornam ineptas para viver a vida com funcionalidade. Tais pessoas, portadoras dessas personalidades disfuncionais, sofrem e fazem sofrer aqueles com quem convivem.
Os transtornos de personalidade são facilmente detectáveis. Essas pessoas causam mal-estar no mundo, criam confusões, reagem com agressividade e impulsividade, são inflexíveis nos seus comportamentos, exploram os relacionamentos, transformando-os em fontes de nutrição para suas manias e imaturidade. Conviver com pessoas transtornadas nas suas personalidades é um processo desgastante e sofrido. Apesar do tratamento psicoterápico, muitos pacientes conservam suas doenças, recusando-se a mudar, seja por incapacidade ou por falta de vontade. 
A responsabilidade pela mudança é do paciente, pelo compromisso em se empenhar na modificação dos traços de personalidade danosos para si , para sua família e  para a sociedade. Estima-se que 25 % das pessoas possuam transtornos de personalidade, em diferentes graus. Quando não conseguimos fechar o diagnóstico, por insuficiência de itens diagnósticos, ainda conseguimos perceber traços de personalidade normais exacerbados, causando transtornos indiretos.
Essas pessoas infelizmente pagam um preço alto por não mudarem. Elas recebem a retribuição exata da inconsequência dos seus atos e escolhas equivocadas. São problemáticas ( conhecidas e rotuladas como tal), são rechaçadas no meio social e profissional, perdem oportunidades de progresso, de avanço evolutivo, são abandonadas pelos amigos, pela família e pelas parcerias afetivas.
A higiene mental é tão importante quanto a higiente corporal. Tomamos banho e escovamos os dentes todos os dias para evitar os odores fétidos do corpo. E quanto aos odores fétidos da personalidade? Que higiene mental você faz todos os dias? Que crenças ultrapassadas você teimar em impor às pessoas que o rodeiam? Vejo pessoas negligenciando as suas mentes, as suas escolhas e as consequências inevitáveis dessas escolhas erradas. Não adianta passar a vida inteira queixando-se e colocando a culpa nos outros
A heterogeneidade de personalidades nos faz encarar comportamentos estranhos para um observador atento. Dependendo da crença subjacente, vemos escolhas difíceis de entender.
Temos a senhora de 40 anos, aparentando 60 anos, de tanto se estressar com o trabalho, de sol a sol, negligenciando a sua saúde física e mental, porque não tem tempo para essas coisas( cuidar da saúde) e "precisa trabalhar". Que absurdo, diria uma observador atento. Na ordem de prioridades, a saúde não é mais importante que o trabalho? É possível trabalhar doente?
Temos o jovem de 25 anos, que adia sempre assumir a sua profissão, porque passa doente e   " enquanto não cuidar da sua saúde", não tem cabeça para pensar em trabalho. Ele não percebe que o verdadeiro motivo de continuar doente é que ele não ama o trabalho que faz e a única maneira que encontrou até o momento para justificar o seu absenteísmo, é adoecer.
Temos os pacientes que só falam em dinheiro. Esse materialismo é um sinal de insanidade mental. Um observador desatento pode pensar que a vida é dura, todo mundo precisa ganhar a vida e esse assunto é justo. Mas só falar em dinheiro, só pensar no próximo apartamento e outras coisas materiais é uma inversão de valores, quando meios transformam-se em fins. Doença mental!
O mundo anda insano, porque as pessoas se recusam a mudar para melhor, seja por incapacidade , seja por teimosia. E por trás desses sinais que passam despercebidos para a maioria ,ocupada com o seu mundanismo e suas frivolidades, enxergamos a doença mental nos seus múltiplos desdobramentos.
A higiene mental é uma necessidade fundamental, como prática diária, na busca de uma melhor qualidade de vida para cada indivíduo e para a sociedade global. Aqueles que se recusarem a fazer isso, estarão sempre aquém de suas potencialidades, vulneráveis a resultados existenciais pobres, em estado permanente de infelicidade( e queixumes), procurando "soluções artificiais " em valores vazios como drogas de abuso, materialismo desenfreado, competição selvagem, busca de satisfação narcisista a qualquer custo, numa eterna insatisfação, que alimentam as patologias da modernidade.


quarta-feira, 7 de abril de 2010

Transtorno Neurótico e a sua Dissolução

O Transtorno Neurótico é a tentativa da mente humana de solucionar problemas. Como a mente nunca descansa, ela se ocupa com problemas reais e imaginários! Uma pessoa neurótica é aquela que nunca desliga dos problemas imaginários! A pessoa fica tão conturbada, antevendo problemas, "solucionando mentalmente problemas imaginários", pre-ocupando-se com tudo e todos, nos mínimos detalhes, que perde o contato com a percepção do momento presente. As pessoas neuróticas sacrificam o momento presente para se ocuparem com passado ou se projetarem no futuro.

O Transtorno Neurótico é resultado de alterações na estruturação da personalidade. O surgimento de doenças psiquiátricas clínicas pode agravar os sintomas neuróticos, demandando o uso de medicamentos, além da realização de psicoterapia. Pacientes neuróticos sofrem muito, porque nunca "desligam", nunca "descansam", enredados que estão nos meandros da sua mente repetitiva, exigente, medrosa, angustiada e ansiosa. Essa mescla emocional enturbula a clareza mental do paciente, levando-o a um ciclo vicioso de mais pensamentos disfuncionais e inúteis.

As neuroses aumentaram com as demandas do mundo moderno. A avalanche de informações e a competitividade fomentam a busca frenética por resultados. O bom nunca é suficiente, sendo que o ótimo é uma meta sujeita a obstáculos de todas as ordens. A mente humana tenta compensar, produzindo mais neuroses e com elas o estado crônico de infelicidade, insatisfação e sensações corporais estranhas( somatização e desrealização).

O sucesso na "administração" do estado neurótico é o tratamento das doenças psiquiátricas clínicas e o tratamento psicoterápico que ajude o paciente a libertar-se do passado e deixar de focalizar obsessivamente no futuro. Quando o indivíduo focaliza no presente, ele consegue transcender a tirania das neuroses.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

" A Minha Família estragou a minha Vida"


" A minha família estragou a minha vida."

Diante de uma frase dessa intensidade catastrófica, me preparei para algum trauma dos graves. Mas depois de cinquenta minutos de sessão, o que pude entender do relato dessa moça,  era que a família  tinha um comportamento neurótico, conflituoso, controlador, "chato", "problemático" e outros identificadores repetitivos. Mas a paciente insistia na frase " a minha família estragou a minha vida".

Essa frase seria mais preocupante se fosse dita por uma senhora de 65 anos, mas era uma jovem de 17 anos, ansiosa, irritada, mentalmente perturbada, falando sem parar e descontente com tudo e com todos. Depois de um medicamento antidepressivo e um estabilizador de humor, curamos o "estrago" que a família tinha causado e ela conseguiu viver a sua vida relativamente bem. Nesse caso, o final foi feliz.

No decorrer dos anos descobri variantes dessa frase em outras(os) pacientes:  "Minha família é isso, é aquilo"... "Você precisa conhecer a minha mãe, doutor.".. " Meu pai é um carrasco...", ..."Se eu tivesse  uma outra infância, seria diferente..." Como poderia não ser louco, olha minha história de vida..." Eu não tenho problemas, eu vim no lugar da minha mãe."..

Há situações em que realmente os pais estragaram a vida dos filhos. Apesar de negarmos as repercussões mentais produzidas por famílias doentes, elas existem, são frequentes , duradouras no tempo e difíceis de tratar. A "atitude polyanna" de negar esses traumas é contraproducente. O melhor é admitirmos que a família legou uma herança para essa pessoa, a carga da doença mental, os descuidos parentais que fragilizaram a estrutura de personalidade da criança em formação e fomentaram problemas na vida adulta. Encarar a verdade é o primeiro passo.Sim, pais destróem a vida de filhos. E filhos destróem a vida de pais.

Na avaliação psiquiátrica precisamos diferenciar casos como o da moça de 17 anos e casos reais em que os traumas infantis, os maus-tratos, a negligência, a doença mental dos pais provocaram sequelas indeléveis no cérebro dos filhos. Se for um caso real, a expectativa de recuperação é bem menor. Se houve a produção de  sequelas neurológicas por agressão, privação alimentar, privação emocional, vamos ter que aceitar a inevitável irreversibilidade do quadro, com um discreta melhora parcial, talvez.

Existem casos em que os pais são inocentes. Eles fizeram o seu melhor, mas os filhos insistem em culpá-los de todas as mazelas da vida. Mesmo investigando o histórico desenvolvimental , não encontramos evidências contundentes( desculpa a linguagem jurídica, andei acompanhando o "caso Nardoni") para caracterizar o alegado trauma. Neste caso, o neurótico é o (a) filho(a). Inocentamos os pais e tratamos o(a) filho(a).

Concluí que pais são culpados  ao receber no consultório o(a) paciente acompanhado pelos pais. Depois de cinquenta minutos de sessão, dei o meu veredicto. __ Culpados! Na sala, a pessoa mais sana era o(a) paciente. Em silêncio me perguntava: __ Como não enlouquecer com uma família  assim? Eu estou com a minha cabeça doendo e foram só cinquenta minutos. Até que o (a) paciente não está tão mal.

A diferenciação de histórias reais e histórias irreais é trabalho de investigação psiquiátrica e psicológica. Através da montagem de um quebra-cabeças vamos fazendo a releitura dos fatos e interpretações, para chegarmos à versão mais aproximada da realidade.

O que queremos com essa diferenciação é planejar o tratamento. Casos irreais respondem rapidamente a medicamentos controladores do humor e ansiedade, ou mesmo  a uma boa terapia para salvar essa pessoa da "adolescência eterna", sempre reclamando, queixando-se, "porque outros, os outros, os outros, os outros". Crescer, amadurecer é descobrir que os outros não têm tanto poder assim nesta fase da vida. E ficar culpando o passado é recusar-se a assumir a  própria vida e as responsabilidades. Essa culpabilização dos pais, depois passa para a esposa ou marido, transita para o chefe, mas a única pessoa presente em todas as cenas do crime é a própria pessoa ,que  insiste em projetar nos outros os seus demônios psicológicos. Não existe determinismo psicológico. Isto é, não existe fatalismo psicológico. Sempre é possível melhorar algum aspecto do psiquismo por ação do tratamento.

Casos reais vão seguir com as sequelas indefinidamente. Conviver com as limitações impostas pela história de vida é um exercício de superação mais produtivo, do que tentar medidas de transformação psicológica radical, seja através de mantras " Pense positivo", " A vida é tão bela, o céu é azul e o sol brilha", seja através da autovitimização exagerada. O ser humano é multidimensional, sofre influências genéticas, familiares, sociais e interpessoais.  O mecanismo de mudança é experiencial. Viver o presente , em contato com experiências que transformem a visão negativa do passado é necessário e terapêutico. Quanto mais uma pessoa colhe experiências construtivas, mais ela remodela a sua história de vida, mudando o final. Neste caso, o final pode ser feliz outra vez.