A depressão é um transtorno bastante prevalente, geralmente com curso crônico e tendência a recaídas e recorrências. Evitamos o termo "cura", no sentido de extinção definitiva da condição, preferindo o termo "remissão", isto é, o controle clínico através de medicamentos e psicoterapia.
O transtorno causa incapacitação funcional, com consequente ou concomitante agravamento da saúde física, piorando o desfecho de muitas patologias cardiovasculares e endocrinológicas. Além do comprometimento físico e mental, causa rebaixamento do bem-estar subjetivo e aumento da utilização de serviços de saúde.
Em cuidados primários de saúde, 30 a 60 % das depressões passam despercebidas ou recebem doses inadequadas de medicamentos antidepressivos e por tempo insuficiente, levando a recaídas e recorrências. A mortalidade associada à depressão, direta como o suicídio, ou indireta pela piora de outras condições médicas, pode ser prevenida em 70 % dos casos.
Estudos em diferentes países ocidentais mostram um prevalência anual na população geral que varia de 3 a 11%. Vários estudos mostram prevalências diferentes, mas uma metanálise de 23 estudos usando diferentes amostras, encontrou a prevalência de 4,1 % em um ano e 6,7 % durante toda a vida.
As mulheres são mais acometidas, numa proporção de duas a três vezes mais frequente que em homens. Aproximadamente 80 % dos indivíduos que recebem tratamento para um espisódio depressivo terão um segundo episódio ao longo da vida. A duração média de um episódio é de 16 a 20 semanas e em 12 % dos pacientes o curso torna-se crônico.
A depressão é um transtorno incapacitante, sendo a quarta causa específica na década de 90 em escala global de avaliação em relação a outras doenças. Previsões indicam que ela ascenderá à posição de segunda causa de incapacitação em países desenvolvidos e a primeira causa em países em desenvolvimento em 2020.
A depressão segue sendo subdiagnosticada, porque os pacientes resistem a aceitar tratamento por preconceito , desinformação e descrença nos resultados terapêuticos. Os médicos clínicos ainda carecem de treinamento na diferenciação da doença , focalizando mais nos sintomas físicos e pouco nas queixas mentais.
Além da depressão maior, a distimia é um transtorno depressivo crônico com menor intensidade de sintomas, presente por pelo menos dois anos em períodos ocasionais. Tal transtorno causa mais incapacitação que episódios depressivos, em virtude da sua cronicidade e invasão em diferentes âmbitos cotidianos. A resposta aos antidepressivos em metanálise de 15 ensaios clínicos alcançou 55 % de resposta contra 30 % do placebo. O transtorno misto de ansiedade e depressão cursa com sintomas de depressão e ansiedade concomitantes, sem preponderância de um deles, e alcança a prevalência de 4,1%. Podem ocorrer depressões subsindrômicas, que não fecham com os critérios diagnósticos formais, mas que incapacitam da mesma maneira.
Aproximadamente 10 a 20 % dos pacientes com sintomas depressivos, na realidade, apresentam transtorno afetivo bipolar( TAB) mascarado. Ao longo do tempo, a suspeita de depressão unipolar se modifica para depressão bipolar. A relevância dessa diferenciação está na escolha terapêutica, pois antidepressivos isolados podem desencadear surtos maníacos em pacientes vulneráveis.
Além dos medicamentos, várias modalidades psicoterápicas mostram-se eficazes no tratamento agudo das depressões. Entre as modalidades estão a psicoterapia cognitivo-comportamental, a psicoterapia comportamental, a psicoterapia interpessoal, a psicoterapia de resolução de problemas, a psicoterapia breve dinãmica, a terapia de casal e aconselhamento, sendo essas últimas quatro sustentadas por menor número de estudos.
Em depressões leves, os antidepressivos não demonstram superioridade ao placebo. Entretanto, em depressões moderadas a graves, o efeito antidepressivo apresenta um índice de resposta que varia de 50 a 65 % contra 25 a 30 % do placebo, em estudos clínicos randomizados.
Em depressões psicóticas, a associação de antipsicóticos ao regime antidepressivo faz-se necessária, para a remissão completa do quadro. A meta de qualquer tratamento vai além da melhora( 50 % de redução sintomatológica), visando à remissão completa dos sintomas, pois a permanência de sintomas residuais impacta negativamente na qualidade de vida e predispõe ao agravamento da síndrome em curso, com pior funcionabilidade, maior risco de suicídio, maiores taxas de recaída e aumento da demanda por serviços primários de saúde.
Em depressões leves a moderadas, a eficácia é semelhante para antidepressivos, psicoterapia cognitivo-comportamental(TCC), psicoterapia comportamental, psicoterapia interpessoal ou associação de medicamentos e psicoterapia. Em depressões graves, a associação de medicamentos e psicoterapia obtém melhores respostas. Nas depressões muito graves , há ausência de evidências de eficácia das psicoterapias.
Existem diferentes classes antidepressivas disponíveis. Os ISRS possuem um menor índice de abandono, quando comparados com os tricíclicos, em virtude da menor incidência de parefeitos. Diferentemente das especulações e recomendações de órgãos reguladores de saúde nacional e internacional, a prescrição de antidepressivos está associada à diminuição do risco de suicídio. O risco de suicídio, com alguns ISRS, poderia aumentar no início do tratamento, mas há diminuição a partir da primeira semana e nas semanas seguintes, comparativamente com risco mais alto anterior ao tratamento( mês anterior).
É recomendável consultas semanais nas primeiras 4 a 6 semanas, pois dados indicam melhor adesão dos pacientes ao tratamento e melhor desfecho prognóstico. A resposta à maioria dos antidepressivos não é imediata, levando em média duas a quatro semanas. Entretanto, 35 % dos pacientes referem melhora na primeira semana. Vários fatores influenciam a resposta terapêutica, entre eles o diagnóstico acurado, a escolha do medicamento, a adesão do paciente às recomendações médicas( que é baixa, em torno de 65 % dos pacientes), a cronicidade da doença, dificuldades sociais e eventos estressores persistentes, episódios graves com sintomas psicóticos, distimia e transtorno de personalidade grave.
Nas estratégias de tratamento, os antidepressivos podem ser aumentados, se não houver resposta depois 4 a 12 semanas, ou potencializados por outros medicamentos e associações farmacológicas. Se a resposta for falha, sugere-se a troca da classe medicamentosa. Pacientes deprimidos refratários podem ser tratados com ECT( eletroconvulsoterapia), com resposta de 50 %. É um tratamento mais eficaz que os antidepressivos em depressões agudas. A cada nova tentativa de tratamento, a chance de êxito farmacológico decresce, sendo um preditor de resposta insatisfatória a tratamentos subsequentes.
O Plano de Tratamento envolve três fases: a fase aguda, os dois primeiros meses, que focaliza na busca de resposta terapêutica e na remissão, com recuperação do paciente e retorno ao nível anterior à doença; a fase de continuação, que tenciona evitar recaídas pela manutenção de tratamento; a longo prazo se estabelece a fase de manutenção, que objetiva evitar a recorrência.
Estima-se que 30 % dos pacientes com remissão inicial recaem no primeiro ano. A continuação do tratamento antidepressivo por seis meses reduz em 50% o risco de recaída. Os fatores associados a um maior risco de recaída ou recorrências incluem: número prévios de episódios depressivos, sintomas residuais, gravidade dos sintomas, duração mais longa do episódio, psicose, níveis de resistência ao tratamento, sexo feminino, estresse social ou pouco ajuste social e eventos de vida.
A dose antidepressiva eficaz na fase aguda deve ser mantida nas outras fases de tratamento, pois as taxas de recorrência com a redução das doses pela metade, aumenta as taxas de recorrência em dois a três anos. A suspensão abrupta de medicações antidepressivas está associada ao aparecimento de sintomas de descontinuação, mas isso não significa síndrome adictiva a antidepressivos.
Entre as recomendações o encaminhamento ao psiquiatra está indicado nas seguintes situações: risco de suicídio, sintomas psicóticos, histórico de transtorno afetivo bipolar(TAB), quando há dúvidas por parte do médico clínico ou quando duas ou mais tentativas de tratamento foram mal-sucedidas. O tratamento deve ser personalizado, levando-se em conta diferentes preditores de resposta.
(Fonte de Consulta: RBP, Professor Marcelo Pio de Almeida Fleck)