Na avaliação psiquiátrica os transtornos de personalidade são classificados em grupos( clusters), de acordo com a predominância de comportamentos disruptivos. Uma pessoa pode apresentar uma doença mental clínica e ,ao mesmo tempo, apresentar alterações na sua estruturação de personalidade, o que torna o tratamento mais desafiante e complexo.
O Transtorno de Personalidade Borderline popularizou-se nas últimas duas décadas, sendo erroneamente confundido com outras condições psiquiátricas, incluindo transtornos de humor e outros transtornos de personalidade. Muitos pacientes receberam o rótulo, como sinônimo de pacientes de difícil tratamento, resistentes às abordagens terapêuticas e com melhora discreta a longo prazo.
Na década de 30 o termo foi cunhado como um constructo para descrever pacientes muito perturbados para o tratamento psicanalítico clássico, uma condição intermediária, não suficientemente grave como a esquizofrenia, mas com sintomas consideravelmente graves no funcionamento mental que incluíam: um quadro neurótico com padrões ansiosos, com disfunção na identidade e alterações no comportamento sexual. Era um síndrome confusa, que foi melhor caracterizada a partir da década de 60.
Esses pacientes se distribuíam numa faixa diagnóstica , indo desde uma fronteira psicótica até uma fronteira neurótica. Entre esses dois polos do continuum havia pacientes com afetos predominantemente negativos, dificuldade em manter relações interpessoais estáveis, falta generalizada de identidade, com necessidade de depender da identidade de outras pessoas.
A raiva era o afeto principal ou único, com oscilações de humor e depressão difusa. Diferentemente da esquizofrenia, que deteriorava com o tempo, a personalidade borderline mantinha uma estabilidade instável, segundo Schmideberg em 1959.
As características básicas do transtorno de personalidade borderline são: pensamento quase psicótico, automutilação, tentativas de suicídio manipulativas, preocupações com o abandono, exigências exageradas nas relações interpessoais, senso grandioso de autoimportância e regressões frequentes nos tratamentos propostos. A convivência com tais pacientes sobrecarrega e afasta as outras pessoas, pelas demandas irracionais de exclusividade nas relações interpessoais. A sensibilidade à rejeição é intensa, coexistindo com a ansiedade da aproximação e com o medo permanente do abandono.
Os pacientes tentam se prevenir de ficarem sozinhos, recorrendo a atos de cortar os pulsos ou outros gestos suicidas, esperando receber proteção da pessoa à qual se ligam de maneira dependente. A perda da noção da realidade ocorre de maneira transitória, podendo chegar a delírios de abandono por pessoas amadas ou pelos terapeutas. Quem trata ou convive com esses pacientes testemunha uma mudança brusca de padrões emocionais , o que produz sentimentos de raiva, ódio, ansiedade, terror, culpa e desamparo.
A classificação psicológica da personalidade borderline adiciona outros padrões observáveis nessa estrutura já fragilizada: ansiedade flutuante, sintomas obsessivo-compulsivos, fobias múltiplas, preocupações hipocondríacas, sintomas conversivo-dissociativos, reações paranoides, abuso de substâncias e sexualidade perversa. A identidade é fragmentada, com dificuldade no controle dos impulsos e no adiamento de gratificações imediatas, por deficiência na modulação de afetos e utilização da consciência para a escolha de comportamentos adequados aos diferentes contextos.
O pensamento é regressivo, se não houver uma estrutura externa, e geralmente sofre um direcionamento psicótico frente a pressões de afetos desconfortáveis e demandas frustrantes do meio ambiente. As defesas psicológicas são primitivas , entre elas a cisão, com uma expressão alternada de comportamentos contraditórios, que o paciente não se preocupa ou nega, uma separação de todas as pessoas em grupos de pessoas totalmente boas ou totalmente más, visões e imagens contraditórias de si mesmo, com mudança ocorrendo de hora em hora, do dia para a noite.
As relações interpessoais e amorosas são caóticas, por incapacidade de integração de uma visão realista do outro, com as suas qualidades e defeitos, levando a percepções distorcidas. O paciente borderline costuma alternar diariamente entre a idealização de uma pessoa, seguida pela demonização da mesma, num processo extremamente perturbador para a manutenção da afinidade. Por não conseguirem ter coesão na própria identidade, ela se torna difusa e inconstante.
A prevalência do transtorno borderline, em estudos epidemiológicos nos Estados Unidos e Noruega, está entre 0,7 % a 1,8 % da população em geral( Torgersen et al, 2001), sendo que as mulheres predominam na maior parte das amostras( 71% a 73 %). Apesar da apresentação desencorajadora, entre dois terços a três quartos dos pacientes avaliados depois de vinte anos de seguimento estavam razoavelmente bem, capazes de viver de forma independente e não preenchiam mais os critérios para o transtorno. Entretanto, 3 a 10 % dos pacientes cometeram suicídio.
Entre os fatores para bom prognóstico no tratamento estão ausência de narcisismo, QI alto e ausência de divórcio dos pais. Entre os fatores de mau prognóstico estão história familiar de doença mental, presença de doença mental na mãe, abuso de substâncias, impulsividade, instabilidade afetiva e relações incestuosas. O tratamento é essencialmente psicoterápico, mas as medicações são indicadas para o tratamento de alguns sintomas-alvo como a oscilação de humor, a agressividade , a automutilação e a impulsividade.