quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Mudanças no Blog para 2012

Atendendo a solicitações dos leitores, a partir de 2012 os textos no Blog serão mais compactos, com enfoque de assuntos técnicos de aplicabilidade direta na saúde mental. Vamos aprofundar os temas mais comuns, de maior repercussão cotidiana.


O Blog já possui um arquivo ampliado das principais  doenças catalogadas na Psiquiatria. Agora vamos aprofundar esses temas específicos, ressaltando os avanços nas pesquisas, os tratamentos disponíveis e alguns exemplos clínicos elucidativos.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Mensagem de Fim de Ano

Agradeço a todos os leitores do blog por terem participado do nosso trabalho de divulgação de temas relacionados ao cérebro, mente e transtornos mentais.

Nossa jornada começou em 2009 e já tivemos milhares de visitantes, sempre curiosos acerca de temas pulsantes, com o intuito de aprender e serem informados a respeito dos mecanismos que nos tornam humanos.

Este blog tornou-se uma referência na internet, tendo despertado curiosidade de leitores em todas as partes do Brasil, suscitando a troca de experiências pessoais e possibilitando a aproximação com outras áreas do conhecimento, com convites de jornais e revistas especializadas , como a Revista Consulex, na qual abordamos a interface entre o Direito e a Psiquiatria, com o tema Sociopatia.

Sentimo-nos honrados ao sermos referidos no site da USP, com o texto " Doutor, devo beber?", com a anuência do professor Ronaldo Laranjeira, a maior autoridade reconhecida em dependência química no Brasil. Esses reconhecimentos diretos e indiretos nos encorajam a continuar contribuindo como um canal de divulgação científica e clínica, para que mais pessoas tenham acesso aos cuidados de saúde mental. E a informação bem comunicada é o melhor instrumento para esse fim.

Conclamo a todos os leitores e amigos do Brasil para continuarem participando do nosso blog, e renovamos o compromisso de empreender os melhores esforços para honrar a atenção e apoio recebidos nesses dois anos. Somos um bebê, que se mostra em pleno crescimento, além das expectativas sonhadas no início.

Feliz Natal e Próspero Ano Novo!

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Anatomia do Suicídio

Anatomia= Estudo das partes constituintes de um determinado objeto ou tema.

Suicídio= Ato de autoinfligir-se a morte.


Na abordagem da Anatomia do Suicídio, verificamos tratar-se de um problema de saúde pública, com índices crescentes em países como o México e o Brasil. Estima-se que uma pessoa dá fim a própria vida a cada 40 segundos, totalizando 1 milhão de vidas anualmente no mundo.

Existem dois picos etários nos quais a incidência aumenta: entre os 15 e 24 anos, a adolescência e vida adulta jovem, e acima dos 70 anos, na terceira idade. Na faixa etária mais jovem há uma predominância da impulsividade, enquanto que na faixa etária mais tardia, o planejamento. Isso representa mais tentativas e menos óbitos na faixa etária mais jovem e menos tentativas e mais óbitos na terceira idade. Além disso, os meios utilizados são mais letais na terceira idade, principalmente o enforcamento e o uso de arma de fogo.

O suicídio é o um ato extremo que atinge diretamente , no mínimo, seis pessoas, deixando sequelas indeléveis e irreversíveis. Os principais sentimentos provocados são a vergonha e a culpa.

Em 90 % dos casos investigados podem ser encontrados sinais e sintomas de algum transtorno mental, entre eles o transtorno depressivo, o transtorno afetivo bipolar(TAB), a esquizofrenia, os transtornos de ansiedade, com ataques de pânico, o abuso e dependência de álcool e outras drogas e transtornos na personalidade.

A tentativa de encontrar explicações exatas para o esclarecimento do ato suicida é inalcançável, pois as hipóteses aventadas não podem ser confirmadas prospectivamente. A avaliação é sempre individualizada e retrospectiva, através de mais indícios do que provas.

Os motivos que levam ao intento suicida incluem: desejos de reencontro com entes falecidos, busca de alívio para sofrimentos físicos e mentais, fuga de problemas financeiros, dificuldade de recorrer à ajuda psiquiátrica para tratamento de doenças mentais, capacidade comprometida de enfrentar perdas e estressores ambientais, entre outros.

A prevenção absoluta do suicídio é impossível. Os recursos terapêuticos até o momento são o uso de medicamentos e psicoterapia para diminuir o risco e até fazer cessar o impulso iminente. Além dos fatores mentais e ambientais, há evidências de influências genéticas que interferem na regulação de neurotransmissores- serotonina e dopamina- essenciais para o humor e o pensamento.

Cabe aos médicos, familiares e amigos desenvolverem a percepção em detectar sinais indiretos da intenção suicida, pois esses pacientes sinalizam a vontade , em média, 1 mês antes do desfecho.





segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

"Depressões " de Fim de Ano

Uma das queixas que se acentua no período natalino e de virada de ano são as "depressões". Na realidade, estamos falando das depressões clínicas, que demandam tratamento medicamentoso para a supressão sintomatológica e também do espectro de estados depressivos que causam sofrimento psicológico nesta fase do ano.

Em relação aos estados depressivos, há diferentes causas tanto quanto há diferentes pessoas no mundo. Cada indivíduo vivencia esta fase do ano de maneira subjetiva e ,de acordo com as suas experiências de vida, desenvolvimento da personalidade e demandas atuais, responde de maneira mais ou menos equilibrada.

As "depressões" incluem : estados de tristeza por motivos que vão da baixa autoestima a sentimentos de culpa que afloram por causas psicológicas mal-resolvidas no relacionamento com os pais  na infância até intolerância a perdas reais e imaginárias que são relembradas neste período de comemoração e confraternização. Quando há uma perda de um ente querido, que estará ausente da confraternização, estamos diante de uma rememoração do luto, onde os sentimentos de pesar fixam-se na perda irreparável. Onde deveria haver congregamento, há separação. Outra causa comum é a melancolia por introjeção de traços de personalidade herdados dos genitores, que ficam ressaltados nas reuniões familiares, reestimulando sofrimentos experienciados na infância, seja por alcoolismo, desavenças familíares, abusos físicos e psicológicos.

Todas as pessoas possuem "núcleos melancólicos", que são ativados em períodos festivos, por convivência com outras pessoas problemáticas, onde as diferenças sobressaem e a tolerância se encolhe. Conviver com familiares com quem se tem pouca afinidade desperta desprazeres e sensações de inutilidade, por incompatibilidade de gênios e preferências. A "sensação de falsidade" expande-se no ar. Pessoas com traços fóbicos sociais ou mesmo fobia social sentem-se obrigadas a passar " momentos de comemoração" com estranhos e familiares de familiares, cuja interação por si só, provoca estranhamento e desconforto. Isso alimenta sensações de ansiedade, angústia e  deslocamento social.

Pessoas muito preocupadas com o julgamento dos outros depositam expectativas irrealistas no desfecho da comemoração, almejando reconhecimentos por conquistas durante o ano, o que raramente acontece. A virada do ano sinaliza "mais um ano" , que nunca é isento de desafios, problemas, buscas e nisso tudo paira uma sensação de "algum desejo inalcançável". Essa constatação imaginária desperta angústias existenciais, como a impossibilidade de se ter a completude dos desejos, que não foram supridos no ano que finda e que não serão alcançados no ano que inicia. A rotina do fim de ano completa o ciclo da inquietação humana, com o estresse do materialismo fomentado pela mídia e pela correria de compras desenfreadas para agradar a todos. Presentes para fulano, beltrano, sicrano. Uma teatralização de afetos frágeis e uma obrigação da rotina natalina, cada vez mais forte e carregada com a mão do marketing.

A vida é calcada em rotinas. As expectativas frustradas, os afetos congelados, as mudanças interrelacionais que não acontecem, as pressões financeiras, as tragédias veiculadas como caldo de cultura de uma época, o egoísmo humano, são fatores contribuintes para a sensação de "depressão do fim de ano". A repetição desse estado todo ano denota uma constância de condições internas e externas que não mudaram o suficiente para haver uma cura psicológica. A restimulação torna as feridas agudamente dolorosas sempre que dezembro se aproxima.

Mais do que entender os fatores subjacentes aos sentimentos desagradáveis, faz-se necessário promover o tratamento amenizador dessa dores e angústias, até o completo restabelecimento do propósito básico do Natal e Ano Novo: a comemoração de mais um ano entre as pessoas que amamos e a esperança de um ano melhor que se desdobra diante das nossos olhos e corações.

sábado, 5 de novembro de 2011

Superestresse

"Superestresse" é um termo surgido  nos Estados Unidos recentemente e citado por alguns estudiosos para caracterizar o estado de constante desgaste físico e mental em que se encontram as pessoas na sociedade atual. Há um aumento do grau de estresse nunca visto na história da humanidade. Esse tipo de estresse transformou-se numa enfermidade que atinge o estilo de vida, principalmente pela hegemonia tecnológica. Estimativas indicam que a internet dissemina 200 bilhões de emails e publica 75 milhões de postagens em blogs todos os dias. A cada minuto, 8 bilhões de webpages são criadas. São publicados mais 500 mil novos livros por ano. Há um "overload" de informações bombardeadas simultaneamente.

O estresse é silencioso e mortal. Ninguém está  imune. De acordo com dados do National Institute of Health, mais de noventa por cento das consultas médicas estão ligadas direta ou indiretamente ao estresse. Vivemos numa sociedade atrelada a multitarefas, o que é prejudicial para o cérebro depois de uma certa medida. Adicionados a isso, fatores externos como  problemas financeiros e sobrecarga de trabalho aumentam mais o estado crônico de estresse. A mente e o corpo não estão conseguindo lidar com esse ambiente danoso e administrá-lo adequadamente. Então, começam a sucumbir por doenças físicas e mentais, que aumentam vertiginosamente.

Em contraste com a sociedade pré-moderna, onde  estresse era uma resposta esporádica através do mecanismo clássico de  "lutar ou fugir", isto é , manifestava-se como estresse agudo. Atualmente vivemos numa sociedade com 7 bilhões de habitantes, milhões de carros nas ruas, congestionamentos, aparelhos celulares tocando a todo instante, num regime de autoescravidão portátil, milhões de tragédias, guerras  e crises dramatizadas pela mídia, subnutrição voluntária, por pressão do tempo e escolha de produtos industrializados, repleto de corantes e conservantes, consumo excessivo de refrigerantes, excesso de drogas de abuso e álcool. Todo esse cenário cria um estado de estresse crônico. Levado às últimas consequências, sem cessar, produz o "superestresse". O mecanismo de "luta ou fuga" fica ativado continuamente, produzindo a exaustão orgânica.

Hormônios do estresse, a adrenalina e o cortisol, são bombeados na sua corrente circulatória, produzindo um estado de alerta permanente, com aumento da frequência cardíaca, da pressão arterial, do tencionamento muscular e da liberação de glicose. A sua digestão piora e o seu sistema imunológico enfraquece. Essas alterações fisiológicas antecedem a instalação de doenças crônicas. O aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial causam eventos cardiovasculares, o tencionamento muscular causa dores e distúrbios posturais, o aumento da glicose  causa diabetes, o enfraquecimento do sistema imunológico aumenta o risco de infecções sistêmicas e do câncer. A adrenalina é tóxica para o organismo, produzindo um estado de inflamação generalizada, que vai lesar diferentes sistemas: coração, articulações e cérebro. Quando ocupa os receptores cerebrais na região hipocampal, produz atrofia  e o consequente déficit de memória. Quando atinge as articulações, causa artrites.

As pessoas ficam irritadas, vulneráveis a desequilíbrios hormonais e a neurotransmissão cerebral sofre colapsos, podendo produzir transtornos psiquiátricos, principalmente ansiedade, ataques de pânico e depressão. O consumo do álcool aumenta para tentar "minimizar " esses estados de humor desagradáveis e os índices de alcoolismo disparam. Você começa a dormir mal, com desregulação dos ritmos biológicos e o seu metabolismo fica comprometido, levando ao ganho de peso e à obesidade.

Esse ritmo de vida acelerado causa um desequilíbrio interno e externo. A velocidade das mudanças e o bombardeamento cerebral por estímulos incessantes produz desatenção e hiperatividade, fazendo com que as percepções se tornem incompletas e não sejam apreciadas na sua velocidade normal. É como um carro em alta velocidade. A paisagem passa tão rapidamente, que enxergamos apenas um borrão, as árvores viram traços e as pessoas se transformam em vultos. Muitos defendem a desaceleração desse processo, através de iniciativas como a "slow foods"  em contraste com os "fast foods", preferidos em intervalos curtos para as refeições. Dizer NÃO ao "Superestresse" envolve viver a vida mais em "camêra lenta".

Em resumo, as doenças mentais e físicas estão crescendo como subproduto do Superestresse. Combater o "Superestresse" é atuar na causa primária de muitas doenças crônicas. Para isso, cada pessoa precisa compreender esses mecanismos explicados no post  para neutralizá-los. Obviamente que o estresse não é a causa de todas as doenças, mas está envolvido direta ou indiretamente.

Para evitar as consequências do "Superestresse", é hora de cuidar da sua alimentação, praticar exercícios físicos moderados, aprender a respirar adequadamente, diminuir a sobrecarga laborativa, investir tempo em lazer produtivo, evitar "pessoas negativas" e buscar tratamento sempre que perceber desequílibrios na sua funcionalidade e na sua autoeficácia frente às demandas cotidianas.







segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Congresso Brasileiro de Psiquiatria

Programa Científico


Mais de 140 atividades científicas : Simpósio do Presidente,Conferências,Cursos,Mesas Redondas  Simpósios dos Departamentos da ABP, Encontro com o Especialista , Oficinas de Ensino, Casos Clínicos, Laudos Psiquiátricos ,Vídeos e Pôsteres.

Data e Local:
2 a 5 de novembro de 2011, no Riocentro, Rio de Janeiro – RJ.

Com o tema “Acesso a Tratamento e Justiça Social”, o XXIX CBP se apresenta como um importante instrumento no esforço por melhorias na assistência em saúde mental no Brasil. E por meio do objetivo fundamental desta gestão da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), que é a valorização do Psiquiatra e da Psiquiatria e a prioridade para o conhecimento técnico-científico com aplicação prática no dia a dia. Afinal, hoje temos no Brasil uma Psiquiatria semelhante a dos centros mais avançados e é fundamental que os pacientes se beneficiem diretamente dessa qualidade, inclusive no serviço público.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Depressão- Atualizações

A depressão é um transtorno bastante prevalente, geralmente com curso crônico e tendência a recaídas e recorrências. Evitamos o termo  "cura", no sentido de extinção definitiva da condição, preferindo o termo "remissão", isto é, o controle clínico através de medicamentos e psicoterapia.

O transtorno causa incapacitação funcional, com consequente ou concomitante agravamento da saúde física, piorando o desfecho de muitas patologias cardiovasculares e endocrinológicas. Além do comprometimento físico e mental, causa rebaixamento do bem-estar subjetivo e aumento da utilização de serviços de saúde.

Em cuidados primários de saúde, 30 a 60 % das depressões passam despercebidas ou recebem doses inadequadas de medicamentos antidepressivos e por tempo insuficiente, levando a recaídas e recorrências. A mortalidade associada à depressão, direta como o suicídio, ou indireta pela piora de outras condições médicas, pode ser prevenida em 70 % dos casos.

Estudos  em diferentes países ocidentais mostram um prevalência anual na população geral que varia de 3 a 11%. Vários estudos mostram prevalências diferentes, mas uma metanálise de 23 estudos usando diferentes amostras, encontrou a prevalência de 4,1 % em um ano e 6,7 % durante toda a vida.

As mulheres são mais acometidas, numa proporção de duas a três vezes mais frequente  que em homens. Aproximadamente 80 % dos indivíduos que recebem tratamento para um espisódio depressivo terão um segundo episódio ao longo da vida. A duração média de um episódio é de 16 a 20 semanas e em 12 % dos pacientes o curso torna-se crônico.

A depressão é um transtorno incapacitante, sendo a quarta causa específica na década de 90 em escala global de avaliação em relação a outras doenças. Previsões  indicam que ela ascenderá  à posição de segunda causa de incapacitação em países desenvolvidos e a primeira causa em países em desenvolvimento em 2020.

A depressão segue sendo subdiagnosticada, porque os pacientes resistem a aceitar tratamento por preconceito , desinformação e descrença nos resultados terapêuticos. Os médicos clínicos ainda carecem de treinamento na diferenciação da doença , focalizando mais nos sintomas físicos e pouco nas queixas mentais.

Além da depressão maior, a distimia é um transtorno depressivo crônico com menor intensidade de sintomas, presente por pelo menos dois anos em períodos ocasionais. Tal transtorno causa mais incapacitação que episódios depressivos, em virtude da sua cronicidade e invasão em diferentes âmbitos cotidianos. A resposta aos antidepressivos em metanálise de 15 ensaios clínicos alcançou 55 % de resposta contra  30 % do placebo. O transtorno misto de ansiedade e depressão cursa com sintomas de depressão e ansiedade concomitantes, sem preponderância de um deles, e alcança a prevalência de 4,1%. Podem ocorrer depressões subsindrômicas, que não fecham com os critérios diagnósticos formais, mas que incapacitam da mesma maneira.

Aproximadamente 10 a 20 % dos pacientes com sintomas depressivos, na realidade, apresentam transtorno afetivo bipolar( TAB) mascarado. Ao longo do tempo, a suspeita de depressão unipolar se modifica para depressão bipolar. A relevância dessa diferenciação está na escolha terapêutica, pois antidepressivos isolados podem desencadear surtos maníacos em pacientes vulneráveis.

Além dos medicamentos, várias modalidades psicoterápicas mostram-se eficazes no tratamento agudo das depressões. Entre as modalidades estão a psicoterapia cognitivo-comportamental, a psicoterapia comportamental, a psicoterapia interpessoal, a psicoterapia de resolução de problemas, a psicoterapia breve dinãmica, a terapia de casal e aconselhamento, sendo essas últimas quatro sustentadas por menor número de estudos.

 Em depressões leves, os antidepressivos não demonstram superioridade ao placebo. Entretanto, em depressões moderadas a graves, o efeito antidepressivo apresenta um índice de resposta que varia de 50 a 65 % contra  25 a 30 % do placebo, em estudos clínicos randomizados.

Em depressões psicóticas, a associação de antipsicóticos ao regime antidepressivo faz-se necessária, para a remissão completa do quadro. A meta de qualquer tratamento vai além da melhora( 50 % de redução sintomatológica), visando à remissão completa dos sintomas, pois a permanência de sintomas residuais impacta negativamente na qualidade de vida e predispõe ao agravamento da síndrome em curso, com pior funcionabilidade, maior risco de suicídio, maiores taxas de recaída e aumento da demanda por serviços primários de saúde.

Em depressões leves a moderadas, a eficácia é semelhante para antidepressivos, psicoterapia cognitivo-comportamental(TCC), psicoterapia comportamental, psicoterapia interpessoal ou associação de medicamentos e psicoterapia. Em depressões graves, a associação de medicamentos e psicoterapia obtém melhores respostas. Nas depressões muito graves , há ausência de evidências de eficácia das psicoterapias.
Existem diferentes classes antidepressivas disponíveis. Os ISRS possuem um menor índice de abandono, quando comparados com os tricíclicos, em virtude da menor incidência de parefeitos. Diferentemente das especulações e recomendações de órgãos reguladores de saúde nacional e internacional, a prescrição de antidepressivos está associada à diminuição do risco de suicídio. O risco de suicídio, com alguns ISRS, poderia aumentar no início do tratamento, mas há diminuição a partir da primeira semana e nas semanas seguintes, comparativamente com risco mais alto anterior ao tratamento( mês anterior).

É recomendável consultas semanais nas primeiras 4 a 6 semanas, pois dados indicam melhor adesão dos pacientes ao tratamento e melhor desfecho prognóstico. A resposta à maioria dos antidepressivos não é imediata, levando em média duas a quatro semanas. Entretanto, 35 % dos pacientes referem melhora na primeira semana. Vários fatores influenciam a resposta terapêutica, entre eles o diagnóstico acurado, a escolha do medicamento, a adesão do paciente às recomendações médicas( que é baixa, em torno de 65 % dos pacientes), a cronicidade da doença, dificuldades sociais e eventos estressores persistentes, episódios graves com sintomas psicóticos, distimia e transtorno de personalidade grave.

Nas estratégias de tratamento, os antidepressivos podem ser aumentados, se não houver resposta depois 4 a 12 semanas, ou potencializados por outros medicamentos e associações farmacológicas. Se a resposta for falha, sugere-se a troca da classe medicamentosa.  Pacientes deprimidos refratários podem ser tratados com ECT( eletroconvulsoterapia), com resposta de 50 %. É um tratamento mais eficaz que os antidepressivos em depressões agudas. A cada nova tentativa de tratamento, a chance de êxito farmacológico decresce, sendo um preditor de resposta insatisfatória a tratamentos subsequentes.

O Plano de Tratamento envolve três fases: a fase aguda, os dois primeiros meses, que focaliza na busca de resposta terapêutica e na remissão, com recuperação do paciente e retorno ao nível anterior à doença; a fase de continuação, que tenciona evitar recaídas pela manutenção de tratamento;  a longo prazo se estabelece a fase de manutenção, que objetiva evitar a recorrência.

Estima-se que 30 % dos pacientes com remissão inicial recaem no primeiro ano. A continuação do tratamento antidepressivo por seis meses reduz em 50% o risco de recaída. Os fatores associados a um maior risco de recaída ou recorrências incluem: número prévios de episódios depressivos, sintomas residuais, gravidade dos sintomas, duração mais longa do episódio, psicose, níveis de resistência ao tratamento, sexo feminino, estresse social ou pouco ajuste social e eventos de vida.

A dose antidepressiva eficaz na fase aguda deve ser mantida nas outras fases de tratamento, pois as taxas de recorrência com a redução das doses pela metade, aumenta as taxas de recorrência em dois a três anos. A suspensão abrupta de medicações antidepressivas está associada ao aparecimento de sintomas de descontinuação, mas isso não significa síndrome adictiva a antidepressivos.

Entre as recomendações o encaminhamento ao psiquiatra está indicado nas seguintes situações: risco de suicídio, sintomas psicóticos, histórico de transtorno afetivo bipolar(TAB), quando há dúvidas por parte do médico clínico ou quando duas ou mais tentativas de tratamento foram mal-sucedidas. O tratamento deve ser personalizado, levando-se em conta diferentes preditores de resposta.

(Fonte de Consulta: RBP, Professor Marcelo Pio de Almeida Fleck)




sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Congresso Mundial de Psiquiatria 2011

Tema: Nossa Herança e Nosso Futuro
18 a 22 de setembro/2011- Buenos Aires, Argentina

15° Congresso Mundial de Psiquiatria, organizado pela World Psychiatric Association, a cada três anos, é o principal evento científico internacional da Psiquiatria. Ocorrerá no Sheraton Buenos Aires Hotel & Convention Center. São esperados 13000 participantes.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Déficits e Conflitos resultando em Transtorno Mental

O desenvolvimento psicológico é comparável  a  uma massa de modelagem. Se houver sobrecarga da mão que molda num lado e falta de modelagem no outro, a estrutura se solidifica com contornos específicos na personalidade. Os genes são os primeiros moldadores da personalidade. Muitos traços e características pessoais são geneticamente determinados. Os pais são os segundos moldadores. Conforme o peso de suas mãos, a argamassa psíquica adquire diferentes configurações.

Quando uma pessoa está no seu processo de desenvolvimento, a argamassa ainda está crua, portanto, pode ser modelada. A partir de uma determinada idade, a mudança torna-se mais difícil, pois os pontos centrais da personalidade estão estruturados. Mudar significa quebrar estruturas, derrubar defesas psicológicas, modificar padrões comodamente incômodos. Para o psiquismo é preferível o ruim sólido conhecido ao bom líquido e incerto.

Falamos em déficit e conflito. São duas teorias bastante elegantes para explicar o processo de estruturação da personalidade. Todos temos uma história única, uma trajetória singular, com vitórias e fracassos, o que vão construindo um mundo interno personalíssimo. Quando os pais são ausentes ou o ambiente é muito empobrecido emocional e materialmente, a criança sofre um empobrecimento no seu psiquismo. Ela sofre de "deficits" na sua formação psicológica e na sua potencialidade latente. Quando uma criança enfrenta situações estressoras, sofre um reflexo prejudicial ao seu equilíbrio, através de intensificação de conflitos desnecessários.

Todos somos uma amálgama de déficits e conflitos. Quanto maior ou menor essa proporcionalidade, maior a manifestação de sintomas. Pessoas com déficits, encontram-se incompletas no seu desenvolvimento psicológico, com lacunas internas, vazios, carências, que geram sensações de desprazer e insatisfações crônicas. Geralmente a busca no decorrer da vida é reviver padrões relacionais que possam "resgatar" neuroticamente as relações falhas. Isso leva maridos a buscarem esposas cuidadoras ou esposas buscarem maridos paternais.

Quando há uma predominância de conflitos, a estruturação é mais externalizante, com manifestações sintomáticas exuberantes, dramáticas, com conflitos abertos e ostensivos. São trantornos neuróticos graves ou transtornos de personalidade incapacitantes. Dizemos que os conflitos se exteriorizam e os déficits se internalizam. Ninguém é tão matematicamente esquemático, mas para fins de entendimento funciona assim.

Nos transtornos resultantes de conflitos intrafamiliares, a manifestação sintomática é nociva ao equilíbrio social. Tais indivíduos , sobrecarregados por impulsos agressivos e não canalizados positivamente, descarregam no mundo suas angústias e descontroles. Muitos brigam, criam confusões, sabotam o seu próprio crescimento, fazendo escolhas equivocadas ou autodestrutivas.

Nos transtornos resultantes de déficits, o indivíduo torna-se ensimesmado, retraído, um proscrito da convivência social, num ostracismo retroalimentador da solidão. Essa " timidez patológica", por contenção interior forçada, esmaga a personalidade, fazendo-a contrair-se ou desaparecer. Esse ciclo de encolhimento psicológico destrói a criatividade humana e cria personagens esquizóides, alheios à vida na sua fluência natural.

Somos o barro moldado pela genética inegociável e a criação cuidadosa ou inconsequente. Somos uma aposta arriscada. No decorrer do ciclo vital, poderemos corrigir alguns déficits e minorar alguns conflitos, mas jamais mudaremos a configuração primária. A psicoterapia é uma tentativa humana, mas falha, de melhorar o psiquismo humano, fazendo-o mais funcional e o seu dono, mais feliz e produtivo. Obviamente que as soluções humanas são parciais.

As teorias sobre como educar as crianças mudam todos os anos. Mas fatores essenciais perduram, como dar bons exemplos, ensinar valores éticos, transmitir afetividade, congregar as crianças em atividades familiares conjuntas, instilando padrões de responsabilidade infantil. Os pais são importantes para o futuro dos filhos, mas não podem responsabilizar-se por tudo, assumindo "culpas" que não lhe são imputáveis. Pais doentes mentalmente, abusadores e negligentes vão gerar filhos conflituados e deficitários. Genéticas desfavoráveis criam temperamentos doentios. Ninguém escapa das imposições da vida.

Quanto é possível mudar? A humildade faz bem, porque dimensiona as probabilidades e prenuncia as possibilidades. Mudanças discretas, mas valorosas, a longo prazo, através da psicoterapia, a convivência com pessoas e ambientes corretivos, a interação emocional positiva e encorajadora, são fatores importantes na reestruturação almejada. Entretanto, a sorte de um início menos conflituoso e menos deficitário, facilita o resultado final.

Cabe a cada pessoa fazer um inventário pessoal, buscando identificar seus déficits e seus conflitos. Nos déficits, cada aquisição e aprendizagem  são uma capacitação extra. Nos conflitos, cada flexibilização de crenças rígidas é uma conquista pessoal, na busca de harmonização interior e exterior e melhor convivência interpessoal.

Quais são os seus déficits? Os medos, as inseguranças, as vergonhas, os comportamentos desajeitados e derrotistas estão aqui.

Quais são os seus conflitos? As revoltas, as raivas, as brigas, a vitimização pessoal , as dramatizações infantis estão aqui.

Somos o resultado dinâmico , mas solidamente estruturado e identificado, de uma sucessão de déficits e conflitos. A mente humana é feita dessas duas interfaces. Reforçar os potenciais e enfraquecer os conflitos é um caminho salutar no desenvolvimento humano bem-sucedido. Enredar-se numa das duas faces ou nas duas é estar mentalmente enfermo. É estar neurótico. É estar psicótico.

Os tratamento visa à promoção do equilíbrio mental, não a perfeição, porque nenhuma escultura humana é perfeita. A genialidade do artista modifica-se conforme cada cultura ou pessoa que observa. A busca da perfeição é uma patologia mental em si mesma. A ocupação despreocupada e irresponsável  com imperfeições é uma patologia mental autoevidente na nossa sociedade. A cada um cabe resgatar o seu melhor e minorar o seu pior, se considerar a vida uma oportunidade de evolução. 


sábado, 3 de setembro de 2011

Preocupações Excessivas e Ruminações Mentais

O cenário é conhecido. Quem não passou uma noite sem dormir, pensando em problemas? O sono não vem, as preocupações aumentam, você levanta, vai tomar uma água, tenta ler um livro soporífero, mas nada funciona. Então você vai até armário da sua avó e "pega emprestado" um remedinho para dormir. Ainda demora um pouco, mas finalmente adormece. No dia seguinte , você tem outro problema, não consegue levantar e fica sonolento o dia inteiro.

De acordo com as bases biológicas e neuroquímicas, os benzodiazepínicos(BZD) ocupam receptores gabaérgicos , distribuídos no cérebro , com propriedades depressoras do Sistema Nervoso Central(SNC). Esses medicamentos aumentam o influxo de íons cloro nos neurônios, causando um bloqueio do potencial de ação, o que impede os disparos neuronais. O mecanismo produz então efeito hipnótico, relaxante muscular, ansiolítico e  anticonvulsivante.

Esses medicamentos são úteis se bem escolhidos pelo médico e usados por períodos curtos para corrigir as insônias que acompanham os  diferentes transtornos mentais. Entretanto, o uso prolongado, sem a supervisão médica, leva à dependência física e mental, com efeito rebote, nas tentativas abruptas de suspensão do uso. Também é bastante comum os pacientes perambularem por diferentes médicos em busca da sua receita azul.

Existem pessoas que sofrem demasiadamente com preocupações excessivas e ruminações mentais. Esses padrões de funcionamento mental podem acometer a todos em vários momentos de nossas vidas, frente a estressores internos e ambientais. Quando esses padrões mentais se tornam frequentes e intensos, estamos diante de um funcionamento anormal, com sofrimento psíquico e físico prejudiciais ao bem-estar do indivíduo.

O que pode desencadear essas preocupações excessivas e ruminações mentais?

As principais causas são os trantornos mentais do cluster dos Transtornos de Ansiedade e também os traços de Personalidade Anancástica( obsessivo-compulsiva). Obviamente que outras condições mentais e psicológicas produzem uma gama de sintomas, dentre os quais as preocupações e ruminações, mas para fins de compreensão geral, vamos focalizar esses dois transtornos principais.

Preocupações Excessivas são ideias, pensamentos, imaginações, medos , que antevem perigos reais ou imaginários. A emoção primária frente ao desconhecido ou a desfechos arriscados, que infligem dor ou perda futura, é a ansiedade. As preocupações excessivas compõem o que denominamos ansiedade psicológica. "Anxious", de onde deriva o vocábulo ansiedade, significa, aperto, asfixia, angústia. O termo é adequado, pois além dos pensamentos antecipatórios negativos e catastróficos que acompanham as preocupações excessivas, pode haver sintomas físicos , o que denominamos ansiedade somática, e incluem palpitações, sudorese nas mãos e pés, tensão muscular, dores no corpo, dificuldades de digestão, aperto no peito, falta de ar e tremores.

Ruminações Obsessivas são as preocupações excessivas  em nível mental, repetitivos, circulares e recalcitrantes,  de diferentes conteúdos, constantes , que invadem e ocupam toda a reserva mental. As ruminações obsessivas não cessam com a argumentação lógica interna ou externa que demonstram  a improbabilidade dos cenários temidos. O indivíduo continua a ter pensamentos parasitários, sempre envolto por dúvidas, medo de perdas e riscos. O sofrimento leva a um esgotamento de neurotransmissores importantes para o bom funcionamento mental. Essa "desmoralização" silenciosa vai enfraquecendo os mecanismos de defesa psicológica, levando a várias doenças mentais, entre elas os transtornos depressivos e ansiosos. Em nível corporal( fisiológico), o pensamento tem o poder de ativar diferentes cascatas hormonais, como o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, com dois hormônios do estresse- cortisol e adrenalina, deletérios para o equilíbrio psicofísico( homeostase) a longo prazo.

Nenhuma pessoa é imune a preocupações e ruminações. Mas se essas condições se tornam crônicas, a busca de tratamento médico é recomendada. Há duas abordagens complementares. Uma abordagem é a prescrição de medicamentos que vão regular os níveis de neurotransmissores responsáveis pelos sintomas psicológicos e físicos. Além dos benzodiazepínicos já citados, os antidepressivos inibidores da serotonina possuem uma ação bloqueadora de receptores serotoninérgicos, reduzindo a ansiedade, a irritabilidade, as preocupações e  as obsessões. Mesmo com a redução dos sintomas, muitos outros resistem à melhora, pois estão na estrutura de personalidade e não somente na neuroquímica anormal. Neste caso, a intervenção com técnicas cognitivo-comportamentais e técnicas de relaxamento são indicadas.

A associação medicamentos e psicoterapia produzem resultados sinérgicos e funcionam melhor do que aplicados isoladamente. Em casos de manifestação ansiosa aguda, os medicamentos têm ação mais rápida e  aliviam o sofrimento. Em casos de constituição de caráter, a abordagem das crenças irracionais subjacentes à produção de sintomas torna-se o foco de tratamento. Tratar a causa produtora das preocupações e ruminações produzirá benefícios a médio e longo prazo, prevenindo novas emoções similares no futuro. Uma vez aprendida a lição, as estratégias de enfrentamento em situações similares no futuro, provam ser capazes de controlar os sintomas.



segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Personalidade Obsessivo-Compulsiva

 " Quem tem transtorno de personalidade acha que a culpa é sempre dos outros, enquanto que o paciente neurótico tem certeza de  que todas as mazelas do mundo são culpa dele. Ambos estão doentes e precisam equilibrar o psiquismo."



O Transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsiva(TPOC) é  confundido com Transtorno Obsessivo-Compulsivo( TOC).

A diferença entre ambos, apesar de poderem coexistir na mesma pessoa, se faz diferenciando sintomas clínicos que aparecem no TOC dos traços persistentes( características de personalidade) que aparecem na Personalidade Obsessivo- Compulsiva.

No TOC o paciente é atormentado por pensamentos( ruminações) repetitivos, parasitários, desagradáveis e  recorrentes, que o levam a fazer rituais( compulsões) para aliviar o sofrimento. O paciente reconhece o caráter irracional desses pensamentos e rituais, isto é, identifica uma situação estranha à sua identidade( ego-distônica), o que demanda tratamento para livrar-se desses sintomas.

Na personalidade Obsessivo-Compulsiva, mais comumente no transtorno de personalidade, os traços duram a vida toda e não causam sofrimento significativo para o paciente( ego-sintônicos). 

Todas as pessoas possuem traços obsessivo-compulsivos e isso não é necessariamente ruim. Por exemplo, indivíduos que cumprem horários, são metódicos, dedicados ao trabalho, atentos  aos detalhes e moderadamente perfeccionistas, podem ser bem-sucedidos pela sua alta produtividade laborativa. Muitas profissões se beneficiam desse perfil caracterológico.

Apesar de serem adaptativos, esses traços podem causar sofrimento em outras pessoas, em virtude da inflexibilidade e rigidez do caráter obsessivo-compulsivo.

Em  linhas gerais, uma personalidade obsessivo-compulsiva se caracteriza por um padrão global de preocupação com organização, perfeccionismo e controle mental e interpessoal, às custas da abertura  e eficácia, o que produz prejuízos significativos, demandando tratamento psicoterápico cognitivo-comportamental e psicodinâmico. Os medicamentos antiobsessivos podem aliviar a intensidade dos traços, apesar de serem direcionados mais ao TOC.

Na personalidade Obsessivo-compulsiva, há uma preocupação com detalhes( muitos insignificantes), regras, listas, ordem, cumprimento estrito de horários, perfeccionismo que acaba atrasando a conclusão de tarefas. O paciente fica tão envolvido com os detalhes irrelevantes de um projeto, que acaba negligenciando o todo, perdendo prazos e desfocando do essencial. Parece que um projeto nunca está pronto, pois a busca da perfeição é impossível.

Outra característica marcante é a dedicação excessiva ao trabalho( workaholics) e à produtividade, prejudicando o equilíbrio doméstico e social, pois as atividades de lazer e as amizades ficam abandonadas ou relegadas a um segundo plano. Familiares de pacientes obsessivo-compulsivos queixam-se dessa característica e insistem para que o paciente busque ajuda médica.

Há uma exagerada inflexibilidade( o que gera conflitos ) quanto a padrões de moralidade e ética, com excessiva escrupulosidade, hesitação e melindres, além da conscienciosidade que extrapola padrões culturamente aceitos.

Pode haver uma dificuldade e resistência de desfazer-se de objetos usados e inúteis, mesmo sem valor sentimental, levando ao colecionismo.  Alguns pacientes relutam em delegar tarefas ou trabalhar em equipes, a menos que possam controlar as coisas da maneira exata. Sofrem, também, com a adoção de um estilo de vida frugal e até miserável quanto a gastos consigo ou outras pessoas, sendo o dinheiro visto como uma reserva para possíveis catástrofes futuras.

Como pano de fundo dessa estrutura de personalidade, há um padrão contínuo de rigidez e teimosia referente a diversos assuntos e situações.

A terapia visa à flexibilização desses traços a longo prazo, aliviando tanto o paciente( autocobranças) quanto as pessoas que convivem com ele. Traços considerados irrepreensíveis são desafiados pelo terapeuta em diferentes contextos, para assinalar a distorção de pensamento. São oferecidas alternativas mais adaptativas e suaves no enfrentamento de problemas e contrariedades. Muitos pacientes conseguem modificar alguns traços, outros mantém a estrutura rigidamente consolidada( couraça do caráter), mobilizando racionalizações para explicar a desnecessária busca de mudança pessoal. O sucesso do tratamento dependerá de variantes como o engajamento do paciente, a habilidade do terapeuta e a busca genuína de ambos por uma melhora constante e contínua por longos períodos de tempo.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Psicofarmacologia

A partir da década de 50 a Psicofarmacologia, um segmento da Farmacologia que produz alterações no funcionamento cerebral e mental, emergiu na prática clínica. Achados arqueológicos, entretanto, demonstram que o uso de substâncias  com objetivos variados, como alteração dos estados de consciência e a realização de rituais mágico-religiosos, esteve presente desde os primórdios da humanidade.

O lítio surgiu em 1949 , em seguida vieram os primeiros antipsicóticos, como a clorpromazina, em 1952. A partir dessa fase,  novas classes medicamentosas foram descobertas: os antidepressivos tricíclicos, os benzodiazepínicos( ansiolíticos) e os antidepressivos inibidores da Monoaminoxidase(IMAO).

O impacto desses medicamentos na prática psiquiátrica possibilitou o manejo e controle de várias doenças mentais graves, além de reduzir drasticamente o número e a duração das hospitalizações. Nos Estados Unidos, após 50 anos de uso, houve uma redução de 1000%  nas hospitalizações.

Em face à alta prevalência de doenças mentais crônicas, na ausência de psicofármacos para o seu controle, teríamos um caos generalizado. O primeiro equívoco é ingenuamente acreditar ser possível controlar  as doenças mentais somente por meios psicológicos. Cada vez mais os estratos biológicos das doenças se tornam conhecidos pelas pesquisas.

 Existem diferentes classes medicamentosas para o uso em saúde mental e na Medicina Geral:

- Neurolépticos ou antipsicóticos: Atuam em doenças como esquizofrenia, transtorno depressivo com sintomas psicóticos, transtornos maníacos com sintomas psicóticos, demências, quadros de agressividade e controle de impulsos. Sua ação ocorre basicamente em receptores dopaminérgicos. Mais recentemente, novas classes de antipsicóticos de nova geração também atuam em receptores serotoninérgicos, histaminérgicos e colinérgicos. Essa ocupação de receptores produz os efeitos terapêuticos, mas também causa os efeitos colaterais indesejáveis. Entre os efeitos potencialmente perigosos estão a síndrome metabólica e o ganho de peso.

- Antidepressivos: Atuam em diferentes doenças, apesar do nome. Atuam obviamente em transtornos depressivos, mas também em transtornos de ansiedade- TOC, Síndrome do Pânico, TAG, hipocondria, TEPT, em outros transtornos- ejaculação precoce, enurese noturna, TDAH e outros. A sua ação se processa basicamente em três sistemas neurotransmissores: serotonina, norepinefrina e dopamina. Mais recentemente, um novo antidepressivo, a agomelatina, atua em receptores melatoninérgicos.

-Estabilizadores de Humor: Atuam em transtornos de humor bipolar, como potencializadores de antidepressivos, em TDAH, nos transtornos de controle de impulsos, transtornos de personalidade. Suas ações são variáveis. O lítio, por exemplo, que é um metal, regula uma cascata de eventos intracelulares, os segundos mensageiros, modificando a ação gênica do neurônio, com estabilização da transmissão elétrica cerebral. Na mesma linha de ação encontram-se os anticonvulsivantes, por regularem os disparos neuronais, subjacentes às epilepsias , mas igualmente presentes na desregulação do humor.

- Ansiolíticos: São medicamentos sintomáticos , para uso temporário. Não tratam as causas dos transtornos e podem produzir dependência física e psicológica. São os conhecidos medicamentos "tarja preta", mas são úteis no início do tratamento de quadros ansiosos, insônia, agitação psicomotora e auxiliares nos demais tratamentos supracitados. Sua ação se processa basicamente em receptores Gabaérgicos, responsáveis pelas respostas sedativas no SNC( Sistema Nervoso Central).

-Moduladores do sono: Uma nova classe medicamentosa alternativa ao uso dos benzodiazepínicos indutores de sono. São conhecidos como hipnóticos de segunda geração. Atuam como agonistas( potencializadores) de receptores GABA-A, subunidade alfa 1 e alfa 2. Mesmo sem indicação como modulador do sono, a agomelatina, uma nova classe antidepressiva, atua  em receptores melatoninérgicos, sincronizando os ritmos circadianos, com diminuição da latência do sono e o número de despertares noturnos, podendo aumentar o sono de ondas lentas e eficiência do sono.

As perspectivas futuras de descoberta de novos psicofármacos estão focadas no desenvolvimentos de medicamentos mais efetivos, com menos efeitos colaterais e personalizados, através da Farmacogenética. Cada paciente, no futuro, terá um perfil( impressão farmacológica) de metabolização e receberá doses muito específicas, diferente das doses padronizadas em bulas.

Abaixo listamos alguns transtornos mentais em que o uso de medicamentos psicotrópicos é  fundamental para o tratamento bem-sucedido.

- Transtorno Depressivo Maior
- Esquizofrenia
- Transtorno Afetivo Bipolar
- Transtorno Obsessivo-Compulsivo(TOC)
- Transtorno de Ansiedade Generalizada(TAG)
- Transtorno de Estresse Pós- traumático( TEPT)
- Fobia Social
- Síndrome do Pânico
- Alcoolismo
- Tricotilomania
- Bulimia Nervosa
- Ciclotimia
- Distimia
- Alterações Comportamentais em Demências
- Doença de Alzheimer
- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade(TDAH)


domingo, 14 de agosto de 2011

Tratamento do Transtorno Afetivo Bipolar(TAB) restaura o volume cerebral

O lítio( carbonato de lítio), introduzido no fim dos anos 40, foi o primeira "droga maravilhosa" na Psiquiatria. Foi a primeira medicação no tratamento dos episódios maníacos e depressivos do TAB, permanecendo um dos mais efetivos( padrão golden standard) no tratamento da doença.

Nos últimos 15 anos, os mecanismos moleculares subjacentes ao tratamento da desordem bipolar começaram a emergir, baseados em estudos conduzidos em animais, que identificaram efeitos neuroprotetores e neurotróficos dessa medicação.

Algumas regiões cerebrais , em estudos de neuroimagem, sofrem reduções, principalmente as envolvidas na regulação do humor.
 
Numa extensiva pesquisa publicada na Biological Psychiatry, onze grupos internacionais reuniram dados de neuroimagem de adultos com TAB. Esta meganálise identificou diferenças na estrutura cerebral dos pacientes afetados em comparação ao grupo controle.
 
Os pacientes com TAB tiveram aumento dos ventrículos laterais, do lobo temporal e do volume do putamen direito. Os indivíduos doentes que não estavam usando lítio tiveram uma redução nos volumes cerebral e hipocampal, quando comparados com os indivíduos saudáveis. Mais importante, entretanto, é que os pacientes com TAB tratados com lítio, demonstraram um aumento hipocampal( relacionado com a memória e orientação espacial) e  da amigdala( respostas emocionais), quando comparados com os pacientes não tratados e controles saudáveis.

"Esta importante meganálise dá suporte aos estudos demonstrativos de alterações cerebrais associadas ao TAB, mas também envia um sinal de esperança para o tratamento dessa doença, através da redução dos déficits associados", ressalta o Dr. John Krystal, editor da Biological Psychiatry.

                                                         Fonte: ( Science Daily 17 /02/11)


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Personalidade Borderline

 Na avaliação psiquiátrica os transtornos de personalidade são classificados em grupos( clusters), de acordo com a predominância de comportamentos disruptivos. Uma pessoa pode apresentar uma doença mental clínica e ,ao mesmo tempo, apresentar alterações na sua estruturação de personalidade, o que torna o tratamento mais desafiante e complexo.

O Transtorno de Personalidade Borderline popularizou-se nas últimas duas décadas, sendo erroneamente confundido com outras condições psiquiátricas, incluindo transtornos de humor e outros transtornos de personalidade. Muitos pacientes receberam o rótulo, como sinônimo de pacientes de difícil tratamento, resistentes às abordagens terapêuticas e com melhora discreta a longo prazo.

Na década de 30 o termo foi cunhado como um constructo  para descrever pacientes muito perturbados para o tratamento psicanalítico clássico, uma condição intermediária, não suficientemente grave como a esquizofrenia, mas com sintomas consideravelmente graves no funcionamento mental que incluíam: um quadro neurótico com padrões ansiosos, com disfunção na identidade e alterações no comportamento sexual. Era um síndrome confusa, que foi melhor caracterizada a partir da década de 60.

Esses pacientes se distribuíam numa faixa diagnóstica , indo desde uma fronteira psicótica até uma fronteira neurótica. Entre esses dois polos do continuum havia pacientes com afetos predominantemente negativos, dificuldade em manter relações interpessoais estáveis, falta generalizada de identidade, com necessidade de depender da identidade de outras pessoas.

A raiva era o afeto principal ou único, com oscilações de humor e depressão difusa. Diferentemente da esquizofrenia, que deteriorava  com o tempo, a personalidade borderline mantinha uma estabilidade instável, segundo Schmideberg em 1959.

As características básicas do transtorno de personalidade borderline são: pensamento quase psicótico, automutilação, tentativas de suicídio manipulativas, preocupações com o abandono, exigências exageradas  nas relações interpessoais, senso grandioso de autoimportância e regressões frequentes nos tratamentos propostos. A convivência com tais pacientes sobrecarrega e afasta as outras pessoas, pelas demandas irracionais de exclusividade nas relações interpessoais.  A sensibilidade à rejeição é intensa, coexistindo com a ansiedade da aproximação e com o medo permanente do abandono.

Os pacientes tentam se prevenir de ficarem sozinhos, recorrendo a atos de cortar os pulsos ou outros gestos suicidas, esperando receber proteção da pessoa à qual se ligam de maneira dependente. A perda da noção da realidade ocorre de maneira transitória, podendo chegar a delírios de abandono por pessoas amadas ou pelos terapeutas. Quem trata ou convive com esses pacientes testemunha uma mudança brusca de padrões emocionais , o que produz sentimentos de raiva, ódio, ansiedade, terror, culpa e desamparo.

A classificação psicológica da personalidade borderline adiciona outros padrões observáveis nessa estrutura já fragilizada: ansiedade flutuante, sintomas obsessivo-compulsivos, fobias múltiplas, preocupações hipocondríacas, sintomas conversivo-dissociativos, reações paranoides, abuso de substâncias e sexualidade perversa. A identidade é fragmentada, com dificuldade no controle dos impulsos e no adiamento de gratificações imediatas, por deficiência na modulação de afetos e utilização da consciência para a escolha de comportamentos adequados aos diferentes contextos.

O pensamento é regressivo, se não houver uma estrutura externa, e geralmente sofre um direcionamento psicótico frente a pressões de afetos desconfortáveis e demandas frustrantes do meio ambiente. As defesas psicológicas são primitivas , entre elas a cisão, com uma expressão alternada de comportamentos contraditórios, que o paciente não se preocupa ou nega, uma separação de todas as pessoas em grupos de pessoas totalmente boas ou totalmente más, visões e imagens contraditórias de si mesmo, com mudança ocorrendo de hora em hora, do dia para a noite.

As relações interpessoais e amorosas são caóticas, por incapacidade de integração de uma visão realista do outro, com as suas qualidades e defeitos, levando a percepções distorcidas. O paciente borderline costuma alternar  diariamente entre a idealização de uma pessoa, seguida pela demonização da mesma, num processo extremamente perturbador para a manutenção da afinidade. Por não conseguirem ter coesão na própria identidade, ela se torna difusa e inconstante.

A prevalência do transtorno borderline, em estudos epidemiológicos nos Estados Unidos e Noruega, está entre  0,7 % a 1,8 % da população em geral( Torgersen et al, 2001), sendo que as mulheres predominam na maior parte das amostras( 71% a 73 %). Apesar da apresentação desencorajadora, entre dois terços a três quartos dos pacientes avaliados depois de vinte anos de seguimento estavam razoavelmente bem, capazes de viver de forma independente e não preenchiam mais os critérios para o transtorno. Entretanto, 3 a 10 % dos pacientes cometeram suicídio.

Entre os fatores para bom prognóstico no tratamento estão ausência de narcisismo, QI alto e ausência de divórcio dos pais. Entre os fatores de mau prognóstico estão história familiar de doença mental, presença de doença mental na mãe, abuso de substâncias, impulsividade, instabilidade afetiva e relações incestuosas. O tratamento é essencialmente psicoterápico, mas as medicações são indicadas para o tratamento de alguns sintomas-alvo como a oscilação de humor, a agressividade , a automutilação e a impulsividade.











quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Palestra sobre a Agomelatina em Santa Maria

Recebemos a visita do Dr. Pedro do Prado Lima, de Porto Alegre, que nos brindou com uma excelente aula sobre  a agomelatina, uma nova opção antidepressiva desenvolvida como alternativa aos  antidepressivos mais antigos.

A Agomelatina está indicada para o tratamento do Transtorno Depressivo Maior(TDM). O seu mecanismo de ação envolve o antagonismo dos receptores melatoninérgicos M1 e M2 e agonismo dos receptores 5 HT2c.  Enquanto os antigos antidepressivos atuam regulando principalmente os neurotransmissores serotonina, norepinefrina e dopamina, a agomelatina atua sincronizando os ritmos circadianos, que estão perturbados nos quadros depressivos. Esse antidepressivo foi lançado em  na Europa em 2009 e agora se torna mais uma opção terapêutica no mercado brasileiro.

Foram identificadas alterações nos ritmos biológicos em pacientes depressivos. O ritmo circadiano vem do latim circadiem, que significa "em torno do dia", isto é, um ritmo que dura 24 horas. Os ritmos circadianos são gerados automaticamente e sob influência de relógios biológicos, localizado numa região cerebral chamada núcleo supraquiasmático.

O equilíbrio biológico( homeostase) depende da secreção de diferentes hormônios e sofre a influência de fatores externos. Por exemplo, o sono sofre a influência da luz, que estimula a secreção da melatonina, um neurohormônio que induz a reversão do ciclo sono-vigília. O ritmo circadiano dá ritmicidade a vários parâmetros biológicos: secreção de cortisol, TSH, hormônio paratireoidiano; parâmetros fisiológicos: temperatura corporal, pressão arterial, frequência cardíaca; e parâmetros comportamentais: humor, vigilância diurna, performance cognitiva e relação sono-vigília.

Os ritmos circadianos estão achatados e alterados em pacientes deprimidos, com repercussões no humor , no sono e  na temperatura corporal. O cortisol, um hormônio do estresse, está elevado nesses pacientes  comparativamente aos indivíduos sem depressão.

O antidepressivo é bem tolerado, com um mecanismo de ação rápido, não provoca síndrome da retirada( por não atuar em serotonina), não interfere no peso corporal e possui uma excelente resposta terapêutica em 3 de cada 4 pacientes após 3 meses de tratamento. Após 10 meses de tratamento, 8 em cada 10 pacientes estão livres de recaídas. Apesar de regular o sono, não possui ação sedativa. Recomenda-se o controle da função hepática, em virtude da sua metabolização,  e cuidado na associação com alguns antidepressivos e antibióticos. O horário de administração é à noite, por ser o horário natural da sincronização dos ritmos biológicos.


terça-feira, 5 de julho de 2011

Sociopatia à Luz da Ciência Médica

* Este texto está publicado na Revista CONSULEX do dia 30 /06/11.


Em sua concepção histórica, o termo “sociopatia” passou a ser usado logo depois do clássico A Máscara da Sanidade, publicado, em 1941, pelo Psiquiatra americano Hervey Cleckley. Nesse trabalho pioneiro foi descrita uma condição clínica, a psicopatia, e suas possíveis causas sociais desencadeantes. Ou seja, alguns indivíduos apresentavam comportamentos tão caóticos e dessintonizados com as solicitações da realidade e da sociedade que indicavam alguma doença subjacente. Apesar de capazes de se relacionarem de maneira superficial com as demais pessoas, esses indivíduos eram totalmente irresponsáveis em suas relações e nem sequer tinham consideração pelos sentimentos alheios.

Atualmente, as expressões “psicopatia”, “transtornos de personalidade antissocial” e “transtornos de personalidade” são preferidas ao uso do termo “sociopatia”, por enfatizarem os fatores biológicos e psicológicos causadores desses transtornos, para fins de tratamento individualizado.

Os médicos lidam diretamente com os pacientes, discutindo ou atuando pouco em soluções de aplicabilidade social. Podemos afirmar que tratamos pessoas, com as suas personalidades, vivências e idiossincrasias, recorrendo aos profissionais do Direito e da Filosofia para o entendimento das repercussões dessas patologias individuais na esfera social.

Denominam-se “transtornos de personalidade” os desvios dos padrões comportamentais considerados normais em uma determinada cultura. Esses desvios aparecem em diferentes contextos, sendo estáveis no tempo, resistentes à modificação espontânea ou volitiva, e causam sofrimento significativo para o indivíduo, a sua família e a sociedade.

O “transtorno de personalidade antissocial” caracteriza-se pela violação de direitos alheios, devido à incapacidade de adequação às normas sociais. Ou seja, o indivíduo acometido desse tipo de transtorno tem propensão a enganar, indicada pelo uso de mentiras ou nomes falsos, visando obter vantagens pessoais ou prazer. Há, nessa estrutura psicológica, uma impulsividade recorrente, afigurando-se o fracasso inerente ao planejamento futuro e à antevisão das consequências dos próprios atos. Atos violentos e agressividade geralmente encontram-se presentes, com desrespeito à segurança própria ou alheia, assim como irresponsabilidade consistente em esquivar-se de comportamento laboral adequado e de honrar obrigações financeiras assumidas. Esses indivíduos não sentem remorsos por terem ferido, maltratado ou roubado alguém. O diagnóstico é realizado a partir da idade de 18 anos. Os sinais patológicos surgem antes dos 15 anos e nenhuma outra doença mental caracteriza melhor as manifestações sintomatológicas.

A prevalência do “transtorno de personalidade antissocial” pode ser aferida em 3% a 5% da população, em geral, indivíduos moradores de áreas pobres em grandes centros urbanos, com pouca escolaridade e um severo grau de dependência alcoólica e debilitação. Muitos morrem prematuramente pelo envolvimento com o tráfico de drogas e outras formas de violência. A maioria dos indivíduos antissociais são homens, mas o número de mulheres está aumentando, na medida em que adquirem liberdade social e modificam os seus estilos de vida, assumindo padrões tradicionalmente masculinos.

As expressões “psicopatia” e “transtorno de personalidade antissocial”, apesar de usadas como sinônimos, ostentam diferenças importantes. De fato, a maioria da população carcerária manifesta “transtorno de personalidade antissocial”; apenas 25% preenchem os critérios diagnosticados para “psicopatia”, o que se verifica através da aplicação de um instrumento de avaliação denominado Inventário de Psicopatia de Hare-revisado (PCL-R).

A “psicopatia” inclui itens como irresponsabilidade, impulsividade, falta de objetivos realistas, conduta sexual promíscua, problemas comportamentais precoces, estilo de vida parasitário, insensibilidade e falta de empatia, afeto superficial, ausência de remorso ou culpa, necessidade de estímulos, tendência ao tédio e sentido grandioso de autovalia. Uma pessoa pode ser psicopata e não apresentar personalidade antissocial ou, então, ser portadora de personalidade antissocial e não preencher os critérios para o diagnóstico de psicopatia. A implicação dessas diferenças é que os psicopatas são intratáveis do ponto de vista psiquiátrico até o momento, enquanto os portadores de personalidade antissocial ou comportamentos antissociais isolados são parcialmente tratáveis.

Criminosos de “colarinho branco” são enquadrados, com frequência, como portadores do “transtorno de personalidade narcisista”, uma vez que suas estruturas psicológicas permitiram-lhes tornar-se indivíduos bem-sucedidos, mas defeitos em sua consciência moral acabaram por imprimir-lhes um comportamento antissocial, o que, inclusive, é detectado pela Justiça. Nesta situação, é preciso diferenciar “condutas antissociais” da verdadeira “personalidade antissocial”.

A “conduta antissocial” pode decorrer de pressão dos pares, oportunidades de acesso ao poder, facilidades para levar vantagem em estruturas hierarquizadas, sem fiscalização, conflitos emocionais ou mesmo de pensamento psicótico, isto é, desprovido de avaliações adequadas da realidade, ao passo que a “conduta psicopática” pode ser considerada uma variante primitiva do espectro dos transtornos narcisistas. A personalidade narcisista move-se num continuum, desde a psicopatia evidente, passando por um narcisismo maligno, indo em direção a uma personalidade narcisista com conduta antissocial, chegando a estratos mais tratáveis, como outro transtorno de personalidade com conduta antissocial e alcançando personalidades emocionalmente perturbadas, com padrões antissociais.

Numa sociedade em que o sucesso, o poder, a inteligência, a beleza e o amor ideal são os valores fomentados, as personalidades narcisistas prosperam, com o consequente risco aumentado de se envolverem em condutas antissociais deliberadas ou circunstanciais. O sentimento grandioso que permeia essa personalidade, a autoimportância exagerada, a crença de ser “especial”, a associação com outras pessoas com a mesma constituição psicológica e objetivos, cria um “caldo de cultura” para o aumento da ilicitude encoberta. Como são exploradores por natureza em seus relacionamentos interpessoais, pouco empáticos com os sentimentos alheios e cheios de arrogância e insolência, constituem verdadeiras ameaças à sociedade baseada em direitos e deveres iguais.

A nós, médicos, na área de saúde mental, cabe a árdua tarefa de oferecer recursos de tratamento, na tentativa de resgatar uma consciência que se encontra frágil ou inexistente. Para isso, recomendamos as psicoterapias e os medicamentos. Os resultados terapêuticos são discretos, para não dizermos pífios. A maioria desses pacientes abandona os tratamentos. Não há mudança verdadeira sem a capacidade de sentir culpa e assumir responsabilidades pelos próprios atos – funções da consciência moral. E outros pacientes mantêm o tratamento pelo tempo mínimo suficiente, por serem obrigados pelo sistema judicial, e também para conseguirem enganar a lei e ganhar indultos.

Por fim, os focos atuais de pesquisa estão centrados na prevenção primária. Há uma crescente compreensão de que os genes e o ambiente estão envolvidos na patogênese do transtorno de personalidade antissocial. Intervenções sociais, privilegiando a relação mãe-filho, o controle saudável das relações familiares, a fim de evitar-se a violência infantil, e a promoção de cuidados competentes dos infantes podem influenciar as futuras gerações, reduzindo essa patologia na saúde pública. Quanto aos psicopatas, os estudos se centram na neurobiologia desses indivíduos, com investigações que procuram entender o seu funcionamento cerebral peculiar, para a descoberta de novas intervenções terapêuticas.

sábado, 25 de junho de 2011

Você é ou está Mentalmente Saudável ou Doente?

Você é ou está Mentalmente Saudável ou  Doente?

Em que consiste Saúde Mental?

É possível ser mentalmente sadio ?

De perto ninguém é normal?


Geralmente psiquiatras, psicólogos ,filósofos, sábios orientais, gurus, escritores, neurocientistas, neurocriminologistas são chamados a opinar acerca da mente. Cada um deles apresenta uma "opinião" sobre o que consiste ser sadio mentalmente. Ou ser doente. Quem tem a razão? Ou seriam razões? Você mesmo pode opiniar sobre o que consiste saúde mental. Os especialistas opinam sobre "S"aúde "M"ental.

Independentemente de quem opina, seja qual for o grupo ao qual você decida pertencer, é preciso haver um acordo. Um consenso. Um "guideline", no caso dos psiquiatras.  Um acordo é uma concordância sobre o que consideramos realidade.

Existem realidades autoevidentes, com as quais todos concordam. Mas há realidades sutis e individuais que  muitas vezes destoam desse "acordo", desse "constructo" que denominamos saúde mental.  Existem realidades autoevidentes,  com evidências científicas, das quais alguns discordam e mesmo assim se consideram mentalmente sadios, como fumar maconha e danificar a saúde, por exemplo. De perto ninguém é normal?

Sim, de perto ninguém é normal, nem diante dos olhos alheios , nem dos próprios olhos. Porque normalidade é um "acordo", de cunho pessoal, social e familiar. E o acordo de uns é diferente do acordo de outros. Basta olhar as diferenças, de perto, e teremos uma anormalidade, isto é, um acordo diferente do nosso. Podemos olhar culturas diferentes, mesmo distantes, e concordarmos que, mesmo de longe, ninguém é normal, para nós! No mundo externo, pessoas parecem anormais- seus hábitos, trejeitos, maneira de falar e ideias  estranhas, exóticas, malucas. Além disso, uma pessoa conversa o tempo todo consigo mesma e não consegue deixar de perceber o turbilhão de loucuras que invadem e fervilham em sua própria mente- culpas, dúvidas, obsessões, confusões, esquecimentos, oscilações, ruminações, medos, ansiedades e assim por diante.

Lendo o livro  Homens Maus fazem o que Homens Bons Sonham, do psiquiatra Robert J. Simon, no último capítulo ele faz uma descrição psiquiátrica do que consiste saúde mental, para ele, após mais de 40 anos de prática médica. Em que consiste Saúde Mental?

O Dr. Robert J. Simon precisou de 12 páginas inteiras para descrever em que consiste Saúde Mental. Ou a mente é muito complexa ou nossas expectativas são altas, ou estamos perdidos, mesmo que tecnicamente, para alcançarmos algum grau de certeza inequívoca. Suas descrições são autoevidentes em alguns momentos e recomendações desejáveis em outras. Por que não definirmos em uma frase o que é Saúde Mental? Pelo menos, em um  parágrafo? Porque Saúde Mental é uma construção, enquanto que a Doença Mental( descrita no post anterior, logo abaixo) é uma descontrução. E é mais fácil enxergar o que está faltando do que enxergar o que pode ser adicionado. No trabalho de descrever Saúde Mental, respondemos a pergunta do título: Você é ou está Mentalmente Saudável ou Doente?

A resposta  é : Depende. Depende do quê? Do acordo. Qual o seu grupo, a sua ideologia, a sua tribo?

Na minha opinião, uma pessoa pode estar mentalmente saudável , ela pode estar mentalmente doente ou ser mentalmente doente. Não acredito em pessoas que são mentalmente saudáveis ! A saúde é dinâmica, enquanto a doença pode ser dinâmica ou estática. Uma construção( Saúde Mental) é um processo que leva uma vida inteira. Se você deixa de adicionar saúde, vai declinando para o lado da doença mental. Neste caso, as psicoterapias tencionam manter a mente dinamicamente saudável, num mundo constantemente em transformação. Os medicamentos tencionam remover sintomas que impedem as pessoas de estarem mentalmente saudáveis. Em doenças graves,  os medicamentos e psicoterapias não modificam a constituição doente, mas podem controlá-la, amenizá-la, devolvendo mais saúde à doença.


segunda-feira, 13 de junho de 2011

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Resultados do BLOG Neurônios e Saúde Mental

O blog Neurônios e Saúde Mental recebe a visita de 7000 pessoas a cada mês.
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A todos vocês, o meu muito obrigado. Como administrador deste blog, renovo o compromisso de continuar escrevendo sobre os avanços em Saúde Mental, ampliando com mais assuntos interessantes todos os meses.

sábado, 28 de maio de 2011

O que é Transtorno Mental?

Transtorno Mental é uma síndrome comportamental ou psicológica clinicamente significativa, associada à presença de angústia ou a um risco significativamente maior de morte, sofrimento, incapacidade ou perda importante de liberdade.( American Pscychiatric Association, 2000).

Essa definição é ampla e permite uma análise mais detalhada. Se levarmos em conta cada palavra envolvida, teremos uma riqueza de significados.

Síndrome é um conjunto de sintomas. Portanto, sem a presença de sintomas clinicamente significativos, não estaremos diante de um transtorno. O que torna esses sintomas significativos, passíveis de diagnóstico e possível tratamento,  é a presença de angústia , risco maior de morte, sofrimento, incapacidade ou perda importante da liberdade.

Então, nem todo sintoma que envolva comportamento ou psiquismo é transtorno. Dizer que todo mundo é doente mental não é verdade. O que pode acontecer é que, em algum momento da vida, todas as pessoas podem desenvolver algum transtorno mental, de características transitórias ou crônicas. Atualmente, estima-se  que 50 % da população está manifestando alguma síndrome mental clinicamente significativa, diagnosticável e tratável.

Os marcadores de transtorno mental dependem de uma avaliação médica adequada, através de um checklist de sintomas. O paciente pode negar a existência desses sintomas, apesar de gerarem sofrimento,  percebido pelos familiares ou amigos. Outros pacientes buscam tratamento porque reconhecem que estão sofrendo, angustiados, incapacitados, escravizados por sintomas que não cessam espontaneamente, nem através da força de vontade.

Os transtornos mentais estão em grupos classificatórios e podem ocorrer isolada ou concomitantemente. Quando ocorrem simultaneamente, dizemos que o paciente apresenta comorbidades. É bastante comum a coexistência de mais de um transtorno mental. O paciente busca avaliação por um transtorno e pode descobrir outros transtornos subjacentes ou adjacentes. É importante uma avaliação clínica ampla, que contemple a parte mental, a parte física e a estrutura psicológica.


O paciente pode escolher a ordem de avaliação. Digamos que ele resolva começar pela estrutura psicológica. Então ele procura a  Psicologia. Como hoje em dia a Psicologia trabalha em conjunto com a Psiquiatria, alinhada aos avanços da neurociência, a comunicação entre esses profissionais tornou-se mais cooperativa. Se a(o) psicóloga(o) detectar sintomas clinicamente significativos, pode solicitar uma avaliação psiquiátrica complementar. Por outro lado, o paciente pode recorrer diretamente à Psiquiatria , através da avaliação clínica primeiramente, para uma exclusão diagnóstica de transtorno mental em curso. Nessa avaliação, doenças físicas devem ser excluídas como causadoras de sintomas mentais, antes de qualquer conclusão diagnóstica. Se necessário, a Psiquiatria recorrerá a outras especialidades, como a Endocrinologia, a Cardiologia e a Neurologia.


Adicionar legenda

O importante é uma avaliação global. Falamos de eixos diagnósticos. O eixo I refere-se aos transtornos mentais classificáveis. O eixo II refere-se à estrutura psicológica e engloba tanto os traços de personalidade, quanto os transtornos de personalidade. O eixo III refere-se às doenças clínicas não psiquiátricas, da esfera da Medicina Geral. O eixo IV refere-se aos estressores( desencadeantes e mantenedores) dos transtornos mentais, psicológicos e físicos. O eixo V refere-se a uma escala de funcionamento global, que mensura o comprometimento funcional do paciente no ano anterior.

Voltemos à definição incial ,usando alguns exemplos classificados como transtornos propriamente ditos. Revisando:

Transtorno Mental é uma síndrome comportamental ou psicológica clinicamente significativa, associada à presença de angústia ou a um risco significativamente maior de morte, sofrimento, incapacidade ou perda importante de liberdade( APA).

Exemplo 1- Conflitos psicológicos que produzem sofrimento e perda da liberdade: neuroses, imaturidade emocional, dificuldades de relacionamento interpessoal, baixa autoestima, confusão de identidade pessoal, indefinição sexual, indefinição profissional, insatisfação interior e outros;

Exemplo 2- Síndrome comportamental : comportamentos disfuncionais, perda das funções mentais que coordenam o comportamento, inadequação social, perda do senso de realidade, psicoses, perda do juízo crítico, instabilidade de humor, agressividade , abuso de substâncias e outros.

Por fim, precisamos informar que existem tratamentos disponíveis para uma gama extensa de transtornos mentais. Esses tratamentos não curam, mas minimizam e controlam os sintomas, o que não é pouca coisa em se tratando de doenças crônicas. Os medicamentos são necessários muitas vezes para reduzir o sofrimento mental e comportamental, permitindo um retorno parcial ou completo ao estado pré-mórbido. Os tratamentos psicológicos( psicoterapias) permitem o crescimento da personalidade e o controle de pensamentos, sentimentos e comportamentos disfuncionais.

O melhor resultado é a combinação de medicamentos( quando bem indicados) e psicoterapia. Mas isso depende do tipo de transtorno mental, as condições mentais mínimas para adesão aos dois tratamentos combinados. O pior resultado é negar-se a buscar tratamento por preconceito, desinformação ou falta de acesso a atendimento especializado e continuar sofrendo.