Uma das queixas que se acentua no período natalino e de virada de ano são as "depressões". Na realidade, estamos falando das depressões clínicas, que demandam tratamento medicamentoso para a supressão sintomatológica e também do espectro de estados depressivos que causam sofrimento psicológico nesta fase do ano.
Em relação aos estados depressivos, há diferentes causas tanto quanto há diferentes pessoas no mundo. Cada indivíduo vivencia esta fase do ano de maneira subjetiva e ,de acordo com as suas experiências de vida, desenvolvimento da personalidade e demandas atuais, responde de maneira mais ou menos equilibrada.
As "depressões" incluem : estados de tristeza por motivos que vão da baixa autoestima a sentimentos de culpa que afloram por causas psicológicas mal-resolvidas no relacionamento com os pais na infância até intolerância a perdas reais e imaginárias que são relembradas neste período de comemoração e confraternização. Quando há uma perda de um ente querido, que estará ausente da confraternização, estamos diante de uma rememoração do luto, onde os sentimentos de pesar fixam-se na perda irreparável. Onde deveria haver congregamento, há separação. Outra causa comum é a melancolia por introjeção de traços de personalidade herdados dos genitores, que ficam ressaltados nas reuniões familiares, reestimulando sofrimentos experienciados na infância, seja por alcoolismo, desavenças familíares, abusos físicos e psicológicos.
Todas as pessoas possuem "núcleos melancólicos", que são ativados em períodos festivos, por convivência com outras pessoas problemáticas, onde as diferenças sobressaem e a tolerância se encolhe. Conviver com familiares com quem se tem pouca afinidade desperta desprazeres e sensações de inutilidade, por incompatibilidade de gênios e preferências. A "sensação de falsidade" expande-se no ar. Pessoas com traços fóbicos sociais ou mesmo fobia social sentem-se obrigadas a passar " momentos de comemoração" com estranhos e familiares de familiares, cuja interação por si só, provoca estranhamento e desconforto. Isso alimenta sensações de ansiedade, angústia e deslocamento social.
Pessoas muito preocupadas com o julgamento dos outros depositam expectativas irrealistas no desfecho da comemoração, almejando reconhecimentos por conquistas durante o ano, o que raramente acontece. A virada do ano sinaliza "mais um ano" , que nunca é isento de desafios, problemas, buscas e nisso tudo paira uma sensação de "algum desejo inalcançável". Essa constatação imaginária desperta angústias existenciais, como a impossibilidade de se ter a completude dos desejos, que não foram supridos no ano que finda e que não serão alcançados no ano que inicia. A rotina do fim de ano completa o ciclo da inquietação humana, com o estresse do materialismo fomentado pela mídia e pela correria de compras desenfreadas para agradar a todos. Presentes para fulano, beltrano, sicrano. Uma teatralização de afetos frágeis e uma obrigação da rotina natalina, cada vez mais forte e carregada com a mão do marketing.
A vida é calcada em rotinas. As expectativas frustradas, os afetos congelados, as mudanças interrelacionais que não acontecem, as pressões financeiras, as tragédias veiculadas como caldo de cultura de uma época, o egoísmo humano, são fatores contribuintes para a sensação de "depressão do fim de ano". A repetição desse estado todo ano denota uma constância de condições internas e externas que não mudaram o suficiente para haver uma cura psicológica. A restimulação torna as feridas agudamente dolorosas sempre que dezembro se aproxima.
Mais do que entender os fatores subjacentes aos sentimentos desagradáveis, faz-se necessário promover o tratamento amenizador dessa dores e angústias, até o completo restabelecimento do propósito básico do Natal e Ano Novo: a comemoração de mais um ano entre as pessoas que amamos e a esperança de um ano melhor que se desdobra diante das nossos olhos e corações.