domingo, 7 de julho de 2013

SUICÍDIO: POR QUE ISSO ACONTECE?



HIGHLIGHTS  do 9ª Congresso de Cérebro , Comportamento e Emoções


A Conferência SUICÍDIO: POR QUE ISSO ACONTECE?, ministrada pelo psiquiatra Gustavo Turecki, do Canadá, foi muito elucidativa.

Partindo da observação de que o suicídio mata mais pessoas todos os anos que o somatório de todos os homicídios e todas as guerras combinadas, torna-se necessário estudar a neurobiologia subjacente a esse ato, por se tratar de um tema relevante na prática clínica e por ser evidentemente uma questão epidemiológica de saúde pública.

Postulam-se que haja fatores internos, chamados individuais , e fatores externos, ou proximais, interagentes na gênese do SUICÍDIO.

Quando observamos a diferença dos índices de incidência, países mais pobres na Ásia e África, apresentam índices mais elevados, o que denotaria uma possível causa social na variabilidade estatística.

Sabemos, por exemplo, que na região do Quebec, de onde procede o conferencista, uma pesquisa realizada em 2007, mostrou a taxa de 1 suicídio para cada 5000 hab, com uma maior frequência de ideação suicida ( 33%) em comparação com tentativas reais ( 9,3%), o que já é conhecido como o padrão encontrado em outros trabalhos no mundo.

Desde 1790 existem pesquisas tentando correlacionar hereditariedade e suicídio. Num trabalho feito em 1985, Englant e colaboradores, estudaram 26 casos de suicídios agregados em 4 famílias, num grupo étnico isolado. A partir desse estudo, comprovou-se que o suicídio não era dependente apenas da psicopatologia, mas que ele é independente em algumas famílias, sem correlação com os principais transtornos mentais predisponentes.

Se nessas famílias a psicopatologia( transtorno mental) não era a causa do suicídio, então o que predispunha os descendentes ao um risco aumentado?

Provavelmente a transmissão de traços de personalidade IMPULSIVO-AGRESSIVOS, encontrados no "cluster" B da classificação diagnóstica, tem sido um achado consistente em vários estudos. Traços impulsivo-agressivos aumentam o risco em 2x, comparativamente aos grupos sem essas características.

Outro fator relevante nos estudos é a correlação entre ABUSO INFANTIL e aumento preditivo do risco de suicídio aos 21 anos de idade, aumento da ideação e tentativas de suicídio. Cerca de 41% das pessoas que morreram por suicídio apresentavam histórico de abuso infantil de ordem física e ou psicológica, isto é, um ambiente desenvolvimental extremamente adverso.

O mecanismo gênico subjacente à ação deletéria dessa adversidade ambiental caracteriza-se pela " metilação" dos genes associados à transcrição de proteínas, responsáveis pela formação de receptores dos glicocorticóides no hipocampo. O processo de metilação " liga ou desliga" a ação dos genes responsáveis por regular a região hipocampal envolvida com a neuroplasticidade e na recaptação intracelular de neurotransmissores( principalmente IMAO). Nas pessoas que enfrentaram adversidades em tenra infância, os mecanismos de neuroplasticidade( neuroadaptação) acontecem de maneira "anômala".Portanto, os genes que regulam o comportamento  estão alterados nos pacientes suicidas ou potencialmente suicidas.

Forma-se um ciclo vicioso final, levando esses indivíduos a não responderem adequadamente às variações ambientais estressoras, o que produz TRAÇOS ANSIOSOS permanentes.  Sem essa configuração cerebral, quando o ambiente sinaliza com hostilidade, o eixo do estresse( HPA- hipotálamo- hipófise-adrenal) responde secretando adrenalina e cortisol. Quando o "perigo" passa, o eixo volta ao  funcionamento normal prévio.  Nos pacientes que sofreram adversidades, esse eixo HPA fica desregulado, tornando-se cronicamente hiperativo, com resposta de alerta constante a perigos inexistentes. A pessoa torna-se hipervigilante, o que é a característica básica da ansiedade.

Associado a isso ainda existem fatores cognitivos necessários para lidar com os estressores. E decorrente dessa perda ou dificuldade de tomar decisões( função executiva), surge a instabilidade emocional constante.

Interagindo com uma estrutura neurobiológica já fragilizada , o ambiente pode aumentar a demanda de respostas adaptativas, principalmente no ano anterior à tentativa de suicídio, precipitando uma psicopatologia latente. Em 90 % dos casos, a DEPRESSÃO MAIOR está implicada, o que foi possível descobrir em estudos de autópsia psicológica. Em 40 a 60 % dos casos de suicídio, há uma comorbidade( doença associada), além da depressão maior, principalmente esquizofrenia e uso de substâncias.

Sumarizando:

Temos um indivíduo que possui genes predisponentes a traços impulsivo-agressivos, que em tenra idade, sofre os efeitos de um ambiente adverso, principalmente abuso infantil, que leva a alterações gênicas que regulam a resposta ao estresse, tornando-o cronicamente ansioso. Então, por fim, ele desenvolve uma psicopatologia , precipitada pelas demandas ambientais severas no último ano, aumentando exponencialmente a sua vulnerabilidade à ideação suicida e ao suicídio consumado.

ATUALIZAÇÕES DO 9ª CONGRESSO BRASILEIRO DE CÉREBRO, COMPORTAMENTO E EMOÇÕES

Ocorreu entre os dias 26 e 29 de junho, em São Paulo, o 9ª Congresso Brasileiro de Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado no Centro de Convenções do Shopping Frei Caneca. A próxima edição do evento, em 2014, acontecerá em Montreal , no Canadá.

O evento reuniu psiquiatras, neurologistas, geriatras, psicólogos, neuropsicólogos, artistas, escritores, todos compartilhando descobertas e atualizações em suas áreas profissionais, possibilitando a troca de experiências presentes na neurociência contemporânea.

Entre os convidados especiais, estavam o professor Antônio Damasio, que foi o conferencista de abertura do evento. O professor Damásio é mundialmente reconhecido como um dos maiores pesquisadores da "Consciência" e seus mecanismos cerebrais. Escreveu livros como o best-seller " O Erro de Descartes", " E o Cérebro criou o Homem", entre outros.

Cabe destacar a presença de outros convidados internacionais, como o professor Adrian Raine, neurocriminologista, que pesquisa a mente e o cérebro dos psicopatas há 30 anos. Houve o lançamento do seu mais recente livro " The Anatomy of Violence".  Muitos outros pesquisadores, principalmente na neurobiologia dos processos fisiológicos e patológicos, estiverem presentes.

O evento social desse ano contou com a presença da Banda "Paralamas do Sucesso".

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Tragédia em Santa Maria-RS, o dia em que o mundo parou!


    Eram 10h30min da manhã de domingo, dia 27/01/2013. Minha esposa me acorda e sussura no meu ouvido: 

__  Aconteceu uma tragédia numa boate chamada KISS. Não quis te acordar antes, mas desde às três da manhã estou acompanhando pelo facebook. Mais de 200 pessoas morreram!

    Ainda meio sonolento, não dimensionei o tamanho das mudanças em nossas vidas a partir daquele despertar. Estava sonolento e meio entorpecido, quase que inconscientemente sentindo o que teria que enfrentar nos próximos dias. 

Minha esposa falou novamente:

 __  Estão precisando de médicos, psicólogos e psiquiatras no ginasião municipal, para onde levaram os corpos que serão reconhecidos pelas famílias. Já liguei para o Hospital de Caridade para ver se eles precisavam de médicos voluntários, mas no momento estão com a equipe completa.

__ Marcos, você não acha que devíamos ir ajudar? 

Ainda com o entorpecimento típico de um domingo atípico, me adiantei, querendo inconscientemente fugir de tamanha responsabilidade, que viria, ao ser obrigado a enfrentar essa tragédia. Respondo meio aflito e irritável:

 __  Ajudar como? Pensei imediatamente nos psiquiatras que conheço e imaginei se eles iriam para lá também. Havia lido poucos minutos antes no facebook do Dr. Vilmar Seixas, que ele viria ajudar, já estava viajando de Capão da Canoa para Santa Maria. Então, a Andréia, minha esposa, médica ginecologista , insiste: 

__  A Aline( psicóloga, amiga nossa) está nos convocando. A situação é muito triste.

Minha irritação aumenta, percebo que não terei como fugir. Não se pode fugir da vida. E a vida que tenho neste momento é aqui em Santa Maria, num domingo fatídico e eu sou psiquiatra.

__  Ok. Vou tomar um banho rápido e vamos para lá.

Em 10 minutos estávamos na frente do Ginásio Municipal, munidos de carteira de identidade profissional , tentando entrar no portão errado.

__ Guarda, somos médicos, viemos ajudar e ele é psiquiatra. .
__Moça, a equipe está completa. 

 Minha esposa responde: 

__ Não, fomos chamados, precisamos falar com a psicóloga Aline. Eles precisam de psiquiatra. Não tem muitos psiquiatras em Santa Maria.

Contornamos o prédio e fomos até a frente do ginasião. Logo um militar do Exército nos levou até outro portão, por onde entramos no complexo.  Lá na frente, tivemos o primeiro sinal do que seriam as próximas horas, dias... Familiares exaltados, querendo entrar para reconhecer seus mortos.

 __  Vocês não entendem!? Nós queremos ajudar, deixem-nos ver nossos filhos!, gritavam familiares aflitos.

Logo chegamos na porta principal do primeiro ginásio. Lá já havia pessoas circulando, algumas sentadas nas arquibancadas, outras vestindo jalecos brancos, transitando pelos corredores, de todos os lados, luvas nas mãos e bolsos, mascaras esvoaçantes no pescoço. 

__  Falem com a Melissa, ela está coordenando a equipe de Saúde.
__ Melissa, você mesma. Nós somos médicos e viemos ajudar.
__ Venham comigo para se cadastrarem.  

Recebemos dois crachás de micropore, um escrito "psiquiatra "e outro escrito " médica". Fomos até os fundos do salão, onde uma equipe de enfermagem já aguardava, com medicamentos. 
___  Vou ficar na equipe da psiquiatria, disse a Andréia. 
 ___ Ajudo na parte clínica e vocês na parte psiquiátrica.

Ainda estonteados com a intensa movimentação, me questiono mentalmente:  Será que tem algum outro psiquiatra aqui? Logo questiono em voz alta.

__ Sim, o Dr. Neri está aí.  

Ufa, não estou sozinho, posso trocar ideia com alguém da área. 

Logo avistamos o Dr. Ângelo, a Dr Hilda, o Dr Maurício, "o Jack" veio. Ah! Aquele rapaz de jaleco parece residente da psiquiatria. Já somos um time, não estou sozinho neste campo de guerra, pensei.

__Como vamos atuar? Estavam falando em cada psiquiatra compor uma equipe, junto de enfermeiros e psicólogos. 
__ Acho melhor formamos um local centralizado da psiquiatria, para atender as pessoas que precisarem, opina o Dr. Neri.

__Vamos para lá., então., conclamo.
 __ O que vocês tem de medicamentos? 
__Temos rivotril, diazepan, valeriana, imipramina, etc.
__Tira fora essa imipramina e valeriana, não usamos isso em emergências,  falo com autoridade. 


Começamos os primeiros atendimentos, antes mesmo do início do reconhecimento dos corpos pelos familiares. Uma moça, de uns vinte e poucos anos, começou a ter uma crise de ansiedade, seguida por sintomas conversivos. Foi medicada com rivotril e deitada na maca. Muitos psicólogos já se aproximavam dando o suporte psicoterápico brevíssimo, com ajuda de dois enfermeiros.

Logo, mais um atendimento, mais outro, e outro...
___  Crise hipertensiva, fala a Andréia. Traz um captopril SL.
___ Essa aqui está com a sistólica elevada, que você acha darmos um calmante para ela?

Respondo:
__ Claro!. 
__Um rivotril, pergunta a Andréia.
__ Sim, um rivotril 0,5mg.

___Vocês trouxeram haldol e fenergan?  pergunto. 

__Não, só temos diazepan injetável. 
__Então providenciem, porque se houver alguma agitação psicomotora , esses medicamentos que temos aqui não dão conta.

De fato, mais tarde o haldol e fenergan injetáveis foram usados em duas situações de agitação intensa, numa em que a mãe  perdeu dois filhos e naquela moça, medicada antes de reconhecer o corpo de um parente. Depois do reconhecimento, ela ficou ainda mais agitada, precisou ser sedada e contida na maca.

___ A senhora quer falar? Se quiser falar, fale , se não quiser, eu entendo e estou aqui para lhe ajudar, disse a Andréia.
 ___ Sim, ele recém tinha terminado o ensino médio, um rico de um guri. Eu só quero o meu filhinho de volta.Agora que ele ia estudar. Só trabalhou até hoje. Somos da cidade de Jóia.

Ao escutar o diálogo de "orelhada", fiquei emotivo pela primeira vez. Senti uma tristeza brusca, tosca e atrapalhada. Até aquele momento ainda me mantinha robotizado, avaliando e medicando, através do entorpecimento matinal. Mas o combustível acabou ... me peguei humano, fragilizado pelo sofrimento de uma mãe.

Encontro o Dr. Neri, colega psiquiatra.
__ Já viu os corpos?
__  Não, respondi.
__ Acho que todos da equipe deveriam ver, até para ajudar os familiares e conhecer os limites de cada um. Há pessoas aqui que nunca passaram por essa experiência, concluiu.
__ Vamos lá, Marcos?!, convidou a Andréia.

Fomos ao outro ginásio, adjacente ao principal. Passamos pelo sol quente, e então encontro o Maurício, do Jornal.
 __Que situação! , hein. 
__ Horrível, respondi rapidamente, apressando o passo para chegar no outro lado.

A paisagem modificou-se. Guardas na porta vigiavam a entrada. Caminhões estacionados no lado de fora.
Entramos.
Chegamos até a porta principal do ginasião.
Então, deparei-me com o meu limite, como disse o Neri.  Fixei o olhar rapidamente, como se querendo testar a resistência das minhas retinas diante do inimaginável. 

Olhei rapidamente. Olhei fixamente então. Continuei firme, meus olhos registraram um cenário de guerra. Corpos dispostos lado a lado, em cima de uma lona preta, num salão frio, ainda com os sinais da fuligem, dos machucados e do fogo.
Não pareciam tão jovens, mas foi um engano inicial.
Eram muito jovens. Seus corpos deitados, com as carteiras de identidade e celulares sobre o peito.
Rostos serenos em dois que pude fixar os olhos. Lábios escuros pela  asfixia.
Alguns com mãos em garras, em busca de algum fôlego que não veio.
Alguns com o rosto queimado pelo calor ou pela borbulha quente do líquido pulmonar extravasado pela boca.
Alguns com queimaduras no tórax.
Todos mortos, como num campo de guerra, recolhidos para reconhecimento. Sim, o triste reconhecimento pelos pais, amigos e parentes. Estava diante do inimaginável. Imagens que carrego comigo, num piscar de olhos ou quando acordo pela manhã. Ainda posso ver, por muito tempo verei, porque minha retina ficou queimada como eles com a marca da tragédia. Caixões passavam pela porta, tão logo havia um reconhecimento.

Na manhã de domingo , acordei entorpecido. Não podia dimensionar o tamanho da tragédia que se abateu sobre a minha cidade, na qual vivo há 22 anos. Ainda não consigo dimensionar o que está acontecendo...Mas posso dizer que os olhares secaram, junto com a vida de 235 mortos dessa tragédia. Em cada pai que recolheu seu filho ou filha, nos voluntários que sofriam, mesmo tendo que demonstrar força, nos profissionais que também atendemos, sentindo-se mal diante da dura missão de ajudar os sobreviventes,  não encontro mais palavras... 

No dia 27/01/2013, uma tragédia ceifou a vida de centenas de jovens, a sua esperança de futuro e a esperança de seus familiares, mortificados pela perda.  Neste dia, tive que encarar a vida...tentei fugir, mas  não tinha para onde correr, pois o mundo inteiro acontecia aqui na minha cidade. E diante do inimaginável, calei... entorpecido outra vez.