Até a década de 70, havia uma hegemonia da Psicanálise na Psiquiatria. Com o avanço da Neurociência, o " reducionismo psicanalítico" perdeu espaço para a ciência aplicada ao psiquismo.
A partir do famoso caso de Phineas Cage, um operário de minas, que sofreu lesões no lobo frontal, numa explosão, que arremesou uma barra de ferro contra a sua cabeça, transpassando o cérebro, a neurociência pesquisa a correlação entre cérebro e mente. Depois do acidente, o pacato operário transformou-se numa pessoa rude e inadequada socialmente, denotando que o lobo frontal regula importantes funções mentais, como a socialização e a adequação comportamental. Houve uma " virada biológica", com o desenvolvimento dos psicofármacos na década de 50, a elaboração do manual diagnóstico psiquiátrico( DSM III), na década de 80 e avanços em neuroimagem na década de 90.
O sujeito psicológico passou a ser o sujeito cerebral( "brain person") e termos como neuroeconomia, neuroética, neuroarte, neuroeducação e até neuropsicanálise ocuparam espaço na mídia e na linguagem social. A tristeza transmutou-se em "depressão"( um termo técnico), comprovando que a técnica havia invadido a linguagem popular. Na época áurea da Psicanálise, o subjetivo regulava o biológico, mas no mundo atual o biológico regula o subjetivo. Começamos a falar numa Psiquiatria Cosmética, onde a meta passa a ser o permanente trabalho de regulação biológica do bem-estar do indivíduo.
A psiquiatria ampara-se atualmente na ciência e mesmo permanecendo um exercício de arte, sofre as influências da cultura. Já foi no século passado estigmatizada ( merecidamente), por causa dos tratamentos propostos( lobotomia e abuso de poder nos manicômios). Devemos ao psiquiatra Pinel e depois a Freud o resgate dessa especialidade. A Psiquiatria moderna, proposta como a vanguarda do progresso médico no Congresso Brasileiro este ano, ambiciona avançar na descoberta dos verdadeiros fundamentos da mente humana. A Psiquiatria reivindica o seu espaço na Medicina outra vez, sendo agora mais ciência e menos filosofia. Deixemos aos psicólogos essa herança histórica e dogmática. Somos ciência porque derivamos da mais antiga ciência, a Medicina.Somos ciência porque nosso modelo de trabalho propõe observar primeiro, formular hipóteses em segundo e testá-las. Diferente da área psicológica, uma gama de teorias( mais de 400) formula premissas antes da investigação. A isso denominamos de Filosofia.
Observamos o avanço do biológico em detrimento do psicológico. Há um apagamento do simbólico, nas palavras do psiquiatra Benilton Bezerra, com o decorrente declínio da interioridade psicológica. Nos últimos 200 anos, o romatismo, a literatura enalteceram o subjetivo. Mas a subjetividade atual é a do corpo( somática). O discurso do especialista invadiu a sociedade, através da tecnificação e medicalização da ciência.
Por outro lado, cabe ressaltar que caímos agora num "reducionismo biológico." Na frase de Patrícia Churchil: " A mente é aquilo que o cérebro faz."
Só que o cérebro é uma parte do todo e sozinho não produz a mente. A mente precisa de conteúdos produzidos pela interação corporal com a cultura! As mesmas áreas cerebrais ativadas na ressonância magnética funcional não correspondem necessariamente aos mesmos conteúdos mentais. A tentativa de pareamento funcional do cérebro com a mente( correlação Type-Type) ficou incompleta e falha. Desde os gregos, através de Hipócrates, o pai da Medicina, imperava o fisicalismo eliminacionista, " pois é no cérebro que surgem as emoções e portanto a mente." A causalidade cérebro-mente( botton-up) é incompleta, devendo ser melhor entendida como uma multicausalidade( Top-down/ botton-up), na interação permanente do orgânico, do ambiental e do linguístico.
A Psiquiatria atual busca o pluralismo teórico, visando à construção ética do indivíduo. Cada área do saber lança uma rede que recorta o real, através de ferramentas e terminologias específicas, sem que ninguém reivindique para si a verdade absoluta. Através dessa visão , o futuro da Psiquiatria em compreender a saúde mental ganha a vanguarda de ação e resultados!
Nenhum comentário:
Postar um comentário